Vamos falar de suicídio na adolescência?

Já adianto que falar sobre suicídio não influencia ninguém, pelo contrário. 💥️A conversa é uma das ferramentas mais importantes que temos para tentar nos aproximar de uma realidade vivenciada por muitas pessoas, algumas delas ao nosso redor. Discutir, debater e escutar são as ferramentas mais valiosas que temos nas mãos, no entanto, usamos bem pouco.

É importante que tenhamos espaços e grandes mobilizações como o Setembro Amarelo, porém, resumir todo o trabalho de conscientização a apenas um mês é insuficiente. Precisamos conversar sobre suicídio hoje, amanhã, em todos os dias. Trazer a conversa para o nosso dia a dia. Nas escolas, no trabalho, em templos religiosos, nas rodas de conversa com amigos e em nossas próprias casas.

Dão entrada diariamente nos hospitais pessoas que tentaram suicídio, outras que buscam ajuda por estarem com ideação suicida ou com pensamentos autodestrutivos. Onde trabalho, em média são três ou quatro casos novos por semana. São pessoas que nem sempre sabem nomear de onde vem o sofrimento, mas reconhecem que ele existe, que está ali. Na maioria dos casos, são jovens que já chegam ao hospital após alta hospitalar.

Quem pensa em interromper as suas vidas grita sobre uma dor inacessível, mas aguda, e não existe um analgésico para aliviar esse sofrimento. Depositam a esperança de acabar com ela ao se retirar da vida. Em alguns casos, a dor é tão grande que deixa marcas no corpo. Nelas, a pessoa registra seu sofrimento, deixa no físico, explícito, a dor que carrega. Coloca ali todo o pensamento que lhe rodeia na tentativa de amenizar, de dar conta de algo bem maior que já tomou conta da sua mente, alma, do espírito e do corpo.

Ato quase sempre solitário, mas muitas vezes prolongado ao máximo que podem suportar. Morre com eles também a verdade dos fatos, o que as levou a interromper a sua existência. Para quem fica também respingam as dores de não ter percebido, de não ter conseguido evitar, uma espécie de sentimento de culpa. Para quem perde alguém nessas condições fica apenas o silêncio, o vazio, uma lacuna na história.

Hoje não é raro encontrar adolescentes com 12 ou 13 anos nessas condições. E não, eles não querem chamar atenção, nem são uma geração "fraca".

Falar em adolescência já é falar de um momento bastante confuso e com muitas situações de sofrimento. Eles estão na fase mais crucial das suas vidas, quando não são mais crianças, mas também não chegam a ser adultos. Estão em uma descoberta de um novo mundo: a menstruação, ejaculação, os desejos, o orgasmo, as muitas emoções ainda pouco conhecidas.

É quando estão tendo as primeiras experiências com relação ao outro, em que aparecem sensações ainda desconhecidas. Surge o primeiro amor, primeiro beijo, a balada, primeira relação sexual. Também estão pensando na escolha de uma profissão, do vestibular, no primeiro emprego. E seguem assim, transitando para a vida adulta. É muita coisa ao mesmo tempo.

Nossos jovens estão sofrendo, estão em luta solitária contra seus pensamentos.

A falta de escuta, de espaços em que se sintam seguros ao falar o que lhes aflige faz com que muitos adolescentes silenciem, mesmo que as suas mentes não parem um minuto sequer. Estes lugares, físicos e afetivos deveriam ser lugares convidativos e seguros para que as juventudes encontrassem escuta e acolhimento. E escutar é ficar em silêncio e de fato ouvir o que o outro tem a dizer. Mas, muitas vezes, os jovens dizem esbarrar numa desvalidação daquilo que estão sentindo. Como dito pela psicóloga Karina Okajima Fukumitsu, essa frase me acompanha e me mantém em alerta em meu trabalho: "O sentido da dor é de quem sente a dor".

Precisamos criar ou recriar uma cultura de escuta dentro de casa. Hoje, com as longas jornadas de trabalho, as tarefas e a dispersão com os celulares, desperdiçamos um tempo importante de conexão com os adolescentes e jovens. Não são apenas eles que se perdem nas redes sociais. Nós, os adultos, também não sabemos mais ficar um minuto desconectados.

A família tem papel muito importante nessa construção de cuidado. É o primeiro grupo no qual eles estão inseridos, aprendendo a negociar espaços, desejos e limites. Mas não para por aí: escolas, unidades de saúde, centros para crianças e adolescentes também precisam conversar sobre o tema. Este movimento requer esforço de todos.

Podemos classificar a Internet como potencial fator de risco? Sim, embora não seja só isso. Hoje as redes sociais viraram uma terra sem dono, em que tudo se publica, se compartilha. E as comparações são inevitáveis entre uma pessoa e outra, ainda mais entre pessoas que estão em fase de maturação, desenvolvimento. Hoje o que mais ouço desses adolescentes são seus anseios como bullying, culpa, baixa autoestima, medo de não corresponder às expectativas e automutilação.

Precisamos trazer as juventudes para perto da gente. Precisamos, e com urgência, de rede de proteção para eles. É preciso pensar em dispositivos - lugares, em que possam trabalhar, serem acolhidos. Pensar na rede de proteção é pensar em serviços públicos que se articulem, que busquem cercar os jovens, oferecendo proteção e segurança.

O meu respeito a todos que passam por esse processo de dor. As reais questões que levam a ideação ou a tentativa de suicídio são única e exclusivas de cada pessoa. Fica aqui também o meu respeito àqueles que já perderam alguém, dor também única e exclusiva. Para ambas as situações, saibam, vocês não precisam passar por momentos sozinhos. Não hesite em buscar ajuda de um profissional.

💥️Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

*Marta Ravazzi é psicóloga, especialista em psicologia hospitalar e saúde. Atua na área de saúde mental movida pelos desafios da mente humana.

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