Ídiche é contagiante por ter literatura com coração

Em agosto deste ano, comecei a frequentar as aulas de um curso online oferecido pelo projeto Viver com Yiddish em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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Uma vez por semana, das 19h30 às 21h, no horário de Brasília, a nossa turma se reúne para desvendar os mistérios do idioma que, para alguns, ainda carrega o gostinho da infância e da convivência com os avós que chegaram ao Brasil vindos do Leste Europeu no comecinho do século 20, ansiosos por recomeçarem as suas vidas em segurança e longe, bem longe do preconceito, das guerras e das revoluções que varriam o Velho Continente.

Essa, no entanto, não é a minha história. Os meus avós pertencem a outra geografia. Entre eles, o português e o francês sempre foram as línguas domésticas, mas, como a identidade de um indivíduo nem sempre corresponde integralmente à sua cultura de herança, eu acabei me interessando muito mais pelo ídiche que pela história dos judeus na península ibérica e no Novo Mundo, bem como pelas inenarráveis façanhas da comunidade portuguesa de Amsterdã.

Assim, embora a minha vontade de aprender ídiche seja antiga, ela nunca esteve relacionada a uma ancestralidade, mas ao meu apego à literatura. Costumo estudar o idioma dos autores que admiro. Foi assim com o alemão, quando comecei a estudar a obra de Goethe, e não poderia ter sido diferente com o ídiche quando, durante a pandemia, passei a me dedicar ainda mais à leitura dos contos, ensaios e romances do meu escritor predileto: Isaac Bashevis Singer.

Foi a partir da leitura de Singer que acabei descobrindo um universo de autores que, assim como ele —ainda que eu não estivesse totalmente consciente disso— sempre fizeram parte da minha vida, ao exemplo de Sholem Aleichem, autor de "Tévye, o Leiteiro" (1894), obra na qual se baseiam um dos filmes que marcaram a minha infância: "Um Violinista no Telhado" (1971).

Pois, muito mais que as lições de história que eu recebia do meu pai durante os nossos passeios pelo Recife Antigo, sempre a evocar nomes e feitos extraordinários, como o do rabino da primeira sinagoga das Américas, Isaac Aboab da Fonseca, um dos responsáveis pelo "herem", ou seja, a excomunhão de Spinoza; foram os personagens da literatura ídiche que mantiveram em mim a vontade de preservar qualquer vínculo com o judaísmo.

É que, quando se é criança, a história pode nos parecer demasiadamente solene e, talvez por isso mesmo, a gente sinta que ela nem sempre consiga ser tão sedutora quanto a literatura e a possibilidade que esta nos oferece de tentarmos nos compreender a partir da identificação que passamos a nutrir por certos personagens.

Portanto, que Aboab que nada! Na minha cabeça de menina, a gente tinha mesmo era muito mais em comum com os habitantes de Anatevka, o vilarejo de "Um Violinista no Telhado", um lugar onde, apesar das inúmeras dificuldades, as pessoas faziam de tudo para levar a vida da melhor maneira possível.

O próprio fascínio do meu pai, tanto pela história dos judeus portugueses quanto pela saga da nossa família, fazia com que, aos meus olhos, ele acabasse se transformando em uma versão ibero-tropical de Tevye, o Leiteiro. A gente até brincava com a música tema do filme, "Tradition", porque, assim como Tevye, o meu pai também sempre acabava encontrando uma oportunidade de afirmar ter sido graças às nossas tradições que conseguimos manter a identidade e o equilíbrio durante todos esses anos.

Pois bem, diante dessas lembranças e do carinho que sinto pela obra de autores como Sholem Aleichem e Bashevis Singer, como é que eu poderia permanecer imune ao carisma do ídiche?

Foi amor ao primeiro som, como costumava dizer o escritor John Le Carré em referência ao seu fascínio pela língua alemã. Algo, inclusive, que ele deixou transparecer ao retratar uma das suas mais célebres criações: o espião George Smiley, protagonista dos romances "O Espião que Sabia Demais" (1974) e "A Vingança de Smiley" (1979), grande estudioso da poesia de Martin Opitz (1597-1639).

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