Colisões entre aviões e animais somam mais de 2 mil por ano no Brasil

As colisões de aeronaves com animais chamam a atenção pelo risco que esses eventos significam para a segurança dos voos. Somente no Brasil, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) registra mais de 2 mil casos por ano. Entretanto, esse e outros impactos negativos do tráfego de aviões sobre a fauna silvestre são pouco estudados com enfoque na conservação e bem-estar dos animais por cientistas e gestores desse meio de transporte no país.

"Vejo que as pesquisas são bem mais voltadas para a segurança das operações. Poucas citam o impacto sobre a fauna ou citam apenas marginalmente", afirma a bióloga e diretora World Birdstrike Association (WBA), Mariane Biz.

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Sócia da ProHabitat (empresa que atua em aeroportos na gestão de questões envolvendo animais) e diretora na Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil), ela explicou à Mongabay que, no Brasil, prevalece a ideia de que as espécies atingidas em colisões com aviões não são de "relevante interesse ecológico" por serem consideradas "comuns".

Entretanto, Biz destaca que esse discurso prevalente pode não corresponder à realidade. Entre os motivos estão a subnotificação de colisões com animais e o fato de 47% dos registros no Sistema de Gerenciamento de Risco Aviário (Sigra) do Cenipa não apontarem a identificação da espécie do animal envolvido.

"Será que na situação atual do mundo, à beira do precipício em relação aos seus limites planetários, podemos ignorar as chamadas 'espécies comuns'?", reflete Biz.

O Sigra é um banco de dados gerenciado pelo Cenipa (órgão do Comando da Aeronáutica) que é abastecido por informações técnicas sobre avistamentos de fauna, quase colisões e colisões entre aeronaves e animais fornecidas por qualquer pessoa. O material é analisado por especialistas e serve para a gestão de segurança de voos.

Quero-queros (Vanellus chilensis) em aeroporto da região Sul - Ana Carolina - Ana Carolina Carcarás em (Caracara plancus) em anemômetro e para-raios de aeroporto na região Sul - Ana Carolina - Ana Carolina

Por fim, Alquezar também analisou a quantidade do hormônio corticosterona nas asas de 821 aves de 19 espécies que vivem na região dos três aeroportos. A concentração dessa substância serve para verificar o nível de estresse em aves.
Em quatro das espécies trabalhadas na pesquisa houve alterações.

O pitiguari (Cyclarhis gujanensis) e o sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris) apresentaram níveis aumentados do hormônio, enquanto a corruíra (Troglodytes musculus) e o tico-tico-rei (Coryphospingus cucullatus) tiveram reduções.

O aumento do nível de corticosterona pode gerar uma facilitação na ocorrência de infecções parasitárias e na diminuição do tempo de vida na natureza. Já a redução do hormônio pode levar a problemas reprodutivos. Em ambos os casos, os animais estão expostos a estresse crônico.

Aeroportos e unidades de conservação

"O Brasil não tem nada na legislação que seja específico sobre ruído, fauna e aeroportos (relativo à conservação). Seria muito necessário estabelecer esses valores, como níveis de ruído aceitáveis para unidades de conservação, por exemplo", afirma Alquezar.

Mapa com as Unidades de Conservação no entorno do aeroporto de Brasília; pontos indicam a altitude das aeronaves.  - Renata Alquezar - Renata Alquezar Mapa com as Unidades de Conservação no entorno do aeroporto de Brasília; pontos indicam a altitude das aeronaves.

Em artigo publicado em 2023, a pesquisadora aborda o aeroporto de Brasília, que se encontra dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Gama e Cabeça-de-Veado e está cercado por três áreas de relevante interesse ecológico (ARIEs), a Capetinga-Taquara, a Granja do Ipê e a Riacho Fundo, além da Estação Ecológica do Jardim Botânico. Na região, ainda existe a Reserva Biológica do IBGE e duas áreas de proteção especial (Jardim Botânico de Brasília e Jardim Zoológico de Brasília).

Nessas áreas, há a presença de animais de espécies de médio e grande porte, como a onça-parda (Puma concolor), a jaguatirica (Leopardus pardalis), a anta (Tapirus terrestris), o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), o tatu-canastra (Priodontes maximus), o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactila), o bugio (Alouatta caraya) e o veado-catingueiro (Mazama gouazoupira).

Alquezar analisou as rotas e as altitudes de voos acima da Estação Ecológica do Jardim Botânico e constatou que há aeronaves realizando curvas a altitudes de aproximadamente 500 metros, gerando altos níveis de ruído. O impacto dessa poluição sonora nesses animais é desconhecido.

A pesquisadora acredita ser necessário ter limites de ruído para cada tipo de unidade de conservação, mudanças operacionais nas rotas e na altitude de pousos e decolagens e uma atualização dos planos de uso do solo nas imediações dos aeroportos.

Notícias da Floresta é uma coluna que traz reportagens sobre sustentabilidade e meio ambiente produzidas pela agência de notícias Mongabay, publicadas semanalmente em Ecoa. Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil.

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