Sem rede social, sem treta: como aprendi a viver melhor calado

Não que seja fácil, mas opinião é algo relativamente simples de exprimir. Você constrói o texto em cima de uma ideia central, reúne alguns exemplos práticos, adiciona um salzinho estilístico, relê depois de escrito para enxugar o excesso de bile (ou para reforçar, dependendo do/da escriba) e pronto. Reportagem é outro jogo: exige respeito a protocolos profissionais estritos. É preciso ouvir diversas fontes, apresentar múltiplos aspectos do tema, ser preciso e contextualizar, cotejar entendimentos diferentes e, quando possível, tirar conclusões.

Há mais: hoje é também importante apresentar explicitamente o olhar que esteve por trás do recorte escolhido. Para ficar no exemplo aqui do quintal, os textos informativos de educação deste espaço em geral buscam ter a perspectiva de alunos e professores. Nem por isso são "parciais": procuro ouvir e apresentar as filiações dos diversos lados na disputa - a chamada "leitura de campo" -, buscando entender o significado do que está em disputa na visão do "chão da escola".

Nem sempre faz sucesso, se a gente for usar como régua do sucesso a audiência. É, sim, meio decepcionante entrevistar mais de uma dezena de pessoas para um assunto importante e ver que o tema atraiu só alguns milhares de cliques. Um tiro de estilingue para os padrões do canhão, perdão pela metáfora bélica, que é o.

Mas (pausa para a lista em bullets que a empresa agora gosta de usar):

  • Às vezes quem precisava ler a reportagem (um tomador de decisão, um gestor público etc.) leu e ela acaba gerando mudanças reais;

  • Às vezes faz sucesso. Isso contradiz o que eu escrevi algumas linhas acima, mas é verdade. Dos dez textos mais lidos da história desta coluna, 9 são reportagens, apenas 1 é artigo opinativo.

O que tem me levado a perguntar (mais bullets):

  • Minha opinião faz falta?

R: Quase nunca.

  • Quem se importa com ela?

R: Quase ninguém.

Sem drama, bem ao contrário. Primeiro porque eu tenho bem poucas certezas, aliás cada vez menos as tenho. Segundo, porque num momento ou outro eu posso ter um ponto de vista que contribua para o debate. Mas, na maioria das vezes, não tenho. Na lógica dos cliques que nos viciam - você aí faça o paralelo com as curtidas em posts nas redes sociais -, talvez valha a pena pontificar sobre tudo e todos, embarcar em cada pequena polêmica com ar de superioridade moral etc. Mas do ponto de vista da incidência social, ser a enésima voz a dizer a mesma coisa, com mínimas variações, sobre alguém ou algo, não faz muito sentido. Só polui, e olha que a tal da esfera pública digital já anda bem emporcalhada.

Polui e gasta energia. Que alívio é usar as redes sociais só para divulgar o trabalho. Hoje nem isso: estou indo à falência mas contratei um valoroso repórter para me auxiliar com a, aham, "gestão das mídias sociais". Que no meu caso se resume a postar um resumo de um texto semanal como este e uma imagem relacionada. A repercussão vejo uma vez por semana, quando acesso as redes via notebook. Apaguei todos os aplicativos no celular (como disse no começo, a luta contra as drogas é árdua).

Já foi diferente, mas não tenho mais paciência para esse lado performativo de "construir uma imagem digital". Óbvio que não construir é também construir, mas pelo menos leva menos tempo. De vez em quando vem alguém indignado para me xingar. Antes eu buscava o diálogo, hoje nem movimento as sobrancelhas. É preciso saber onde empregar nossa finita força vital. Acho que faço melhor uso da minha investindo em reportagem em vez de opinar no Facebook, no Twitter, no Instagram ou mesmo aqui.

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