Tatu-bola reaparece no Ceará depois de quase 15 anos

Desde que virou Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), em setembro de 2000, a paisagem da Serra das Almas transformou-se de roças e pastagens para uma vegetação exuberante, uma recomposição acelerada pela restauração florestal. A fauna logo retomou seu espaço e sua dinâmica natural.

Há registro de 485 de plantas, 45 espécies de mamíferos, 45 de répteis, 230 de aves e 33 de anfíbios. Lá habitam o arapaçu-do-nordeste, a jacucaca e o vira-folha-cearense, espécies que integram o Plano de Ação Nacional para Conservação das Aves da Caatinga, e quatro das seis espécies de felinos do bioma - onça-parda, jaguatirica, gato-do-mato-pequeno e gato-mourisco.

Na região houve ainda o reaparecimento do guariba-da-caatinga (Alouatta ululata), primata ameaçado de extinção.

Lajeiro, afloramento rochoso típico do semiárido brasileiro, cuja vegetação é marcada por macambira e xique-xique. Reserva Natural Serra das Almas, Crateús, Ceará - Kevin Damasio - Kevin Damasio tatu-bola-da-caatinga (T✅olypeutes tricinctus) - uma espécie-símbolo do semiárido brasileiro, mas cujo último registro no estado acontecera em 2008.

Portela parou e desligou o carro, tirou as botas, desceu do veículo descalço e começou a filmar com o celular. Por estar contra o vento, conseguiu se aproximar do animal sem ser notado.

"Deu para perceber ele caminhando, farejando, comendo alguns insetos na estrada e no campinho. Ele cavou algumas tocas lá dentro, muito provavelmente para buscar alimento dentro da terra", recorda. Portela sabia da importância daquele raro encontro.

Coordenador técnico da Associação Caatinga, instituição proprietária e administradora da Reserva Natural Serra das Almas, ele organizou duas expedições para o Cânion do Rio Poti, na divisa do Ceará com o Piauí, para investigar a área de ocorrência do tatu-bola-da-caatinga, em 2016 e 2017.

Na ocasião, os pesquisadores encontraram indivíduos no leste piauiense, porém, no oeste cearense, nem os relatos de moradores locais davam conta da presença da espécie nos últimos anos.

Os esforços de conservação da Serra das Almas e seu entorno contribuíram para o reaparecimento dessa espécie de tatu no estado, avalia o biólogo Hugo Fernandes, coordenador do Livro Vermelho de Espécies Ameaçadas da Fauna do Ceará, da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade.

O tatu-bola-da-caatinga, considerado "em perigo" pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), encontra-se em uma situação ainda mais delicada no Ceará, sob o status de "criticamente ameaçado".

O desaparecimento do tatu-bola-da-caatinga no território cearense é provavelmente um processo secular, mas passou a ser documentado com dados na década de 1980, sobretudo em virtude da caça e perda de habitat - os sedimentos arenosos - para atividades como a mineração, observa Fernandes, que soube do relato de Portela no final de abril.

Considerando que não houve eventos de soltura nesta divisa com o Piauí, essa filmagem de um animal nativo dali representa o registro mais recente dentro do território cearense, e a possibilidade de ter a RPPN Serra das Almas como um local-chave para a preservação do tatu-bola no estado.

💥️Hugo Fernandes, biólogo

1,6 milhão de toneladas de carbono

Coroa-de-frade, lajeiro. Reserva Natural Serra das Almas, Crateús, Ceará. Caatinga - Kevin Damasio - Kevin Damasio "
caminhando, parando, prestando atenção", e assim se tornou um dos maiores conhecedores da biodiversidade local.

Há 22 anos, Aureliano mora com a esposa e os oito filhos em uma comunidade vizinha, Jatobá Medonho, na zona rural de Buriti dos Montes, no Piauí. Mas ainda volta para a reserva a fim de guiar equipes de pesquisadores, como um levantamento no início deste ano que avaliou o estoque de carbono na Serra das Almas - 1,6 milhão de toneladas; 30% na biomassa acima do solo, 70% no solo, serrapilheira e raízes.

Aureliano Rodrigues da Silva Neto, primeiro guarda-parque da Reserva Natural Serra das Almas e beneficiário de projeto de irrigação com sistema de bioágua - Kevin Damasio - Kevin Damasio MapBiomas. De 1985 a 2023, o bioma perdeu 10,1% da vegetação nativa, teve 16% de sua área queimada e redução de 23% dos corpos d'água. No mesmo período, a agropecuária expandiu-se em 24% e as áreas antrópicas alcançaram 31 milhões de hectares.

Já as 234 Unidades de Conservação da Caatinga ocupam quase 8 milhões de hectares do semiárido, segundo o ICMBio. É o terceiro bioma com maior percentual de território protegido (9,14%) e o quarto em área de UCs. Entretanto, os fragmentos de vegetação nativa e secundária desconectados representam um grande desafio para a recuperação da Caatinga.

"É um bioma sazonalmente seco mas, na sua formação original, a mata ciliar era a conexão primordial não só para os fragmentos e grandes áreas contínuas de Caatinga, mas também com a Amazônia e a Mata Atlântica", observa Hugo Fernandes. "Esses corredores ecológicos, muito dependentes da mata ciliar, historicamente foram extirpados."

Em 2023, a Associação Caatinga propôs a criação de uma APA federal e mais sete Unidades de Conservação no Piauí e no Ceará, para formar um corredor de 494 mil hectares com 12 áreas protegidas - existentes ou propostas - ao longo do Cânion do Rio Poti, habitat do tatu-bola-da-caatinga. Três UCs foram criadas na região com apoio da associação: uma no Piauí, o Parque Estadual do Cânion do Rio Poti; e duas no Ceará, o Parque Estadual do Cânion Cearense do Rio Poti e a Área de Proteção Ambiental do Boqueirão do Rio Poti.

Ao longo do rio tem várias áreas bem interessantes com sítios arqueológicos, algum tipo de atrativo ou apelo ambiental. Por ser um grande vazio demográfico, há condições de conectar essas áreas a partir de Unidades de Conservação de Proteção Integral ou de Uso Sustentável nos locais com uma ocupação humana maior.

💥️Samuel portela, biólogo

A Associação Caatinga já contribuiu para a criação de 26 RPPNs e três UCs públicas, que somam 103,6 mil hectares, além de 15 planos de manejo. Essas ações de fomento se ampliaram em 2011, com o projeto No Clima da Caatinga, patrocinado pela Petrobras, em que direcionaram o foco para o entorno da Serra das Almas e estimularam a criação de outras reservas particulares em Crateús.

José Wilmar de Sabóia foi o primeiro proprietário em Crateús auxiliado pela Associação Caatinga na criação de uma RPPN. Sabóia cresceu na comunidade Monte Nebo, para onde os avós se mudaram no final do século 19.

"Eu não conhecia nada sobre reserva, mas tinha esse desejo de conservação", conta. A RPPN Neném Barros, com 63 dos 205 hectares da propriedade, foi criada em 2012 e a associação agora o auxilia na execução do plano de manejo. Suas metas atuais são estruturar a reserva, com abertura de trilhas, adequar as áreas para recepcionar visitantes e contratar um guarda-parque.

Marcos Roberto, nascido e criado no interior de Crateús (CE), é guarda-parque da Reserva Serra das Almas há 20 anos - Kevin Damasio - Kevin Damasio Atividade de educação ambiental da Associação Caatinga nas comunidades do entorno da RPPN Serra das Almas, esta no município de Buriti dos Montes, Piauí - Kevin Damasio - Kevin Damasio Antonia Elisabete Soares e a cisterna de placa fornecida pela Associação Caatinga - Kevin Damasio - Kevin Damasio Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil.

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