Críticos gastronômicos de Instagram rendem likes, mas não credibilidade

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Rafael Tonon

Usando escalas de avaliação próprias (de 1 a 5 garfos, por exemplo) e com comentários mordazes sobre a comida ou o serviço, muitos são os perfis no TikTok ou Instagram que arrebatam milhares de seguidores fazendo avaliações negativas sobre os espaços que visitam.

Fato é que as redes sociais democratizaram ainda mais as vozes na gastronomia: algo que começou antes com os blogs e agora ganha novo fôlego com a onda de newsletters.

💥️Todo mundo come...

Naturalmente engajadora, a comida alimenta-se desta procura crescente de informação e conteúdos relacionados a gastronomia que tomou as redes. Qualquer pessoa pode postar fotos de pratos, ir a uma hamburgueria e dizer algo sobre a "experiência" que teve ali.

Assim, os novos usuários retroalimentam o interesse que a comida desperta, num processo que leva a uma amplificação cada vez maior de vozes e de conteúdos.

Saber hoje onde conseguir o melhor ramen em Tóquio ou Nova York é tão importante quanto conhecer bons restaurantes, porque ajuda esse ciclo a se perpetuar.

Quanto mais pessoas compartilham suas experiências com a comida, mais pessoas ficam expostas à ideia de que precisam fazer o mesmo.

💥️... muitos avaliam

Mas a diferenciação vem, em grande parte das vezes, com a opinião: não basta ir e comer. É preciso avaliar — essa pandemia que tomou o mundo de que todo mundo precisa ter uma opinião sobre tudo. ✅Haters gonna rate.

Ao menos quando o tema é comida — uma espécie de "como, logo opino" que é a cara da cultura de descartes que vivemos.

💥️Mas todos podemos mesmo ter opinião?

DeRuiter não é crítica gastronômica, nem sequer se dedica à comida. Mas isso não a impediu de escrever que "a decoração tinha o requinte de um bunker subterrâneo onde se esperaria ser interrogado pelo desaparecimento do filho de um embaixador".

Ou que "tudo tinha gosto de peixe, até os pratos que não eram de peixe. E quase tudo, inclusive o macarrão, que era de longe o prato mais substancial, era servido frio".

Jornalistas gastronômicos criticaram o texto. Outros, inclusive alguns críticos famosos no país, o republicaram pelo seu tom de humor, defendendo que é elitista achar que só quem se dedica à gastronomia como profissão é capaz de ter uma opinião balizada sobre uma refeição.

💥️Likes, boicote e boca-livre

💥️Crítica x palpite

Crítica necessita embasamento, sensatez, responsabilidade. Apontar problemas em uma refeição é um ótimo alerta para equipes e cozinhas verem que podem melhorar, gerir problemas, resolver casos.

Agora, ser um mero "palpiteiro" tem consequências terríveis para o mercado, principalmente nos tempos do tribunal da internet, em que tudo é amplificado.

Avaliar o trabalho de alguém envolve técnica, conhecimento, algo a que muitos profissionais se dedicam por anos. Especialistas comem muito, viajam o mundo, fazem perguntas: não "acham".

Vivemos em uma época em que as categorias ou definições tradicionais já não são mais válidas. É tudo tão superficial que é difícil entender de fato onde está a opinião que realmente importa — e, mais, de onde ela vem.

As pessoas não entendem a diferença de um jornalista e um influenciador, imagina conseguir distinguir o joio do trigo nesse mar de dados e segundas intenções.

💥️Experts anônimos

Pesa o fato de que as redes foram criadas com essa lógica do caos: tudo é organizado e ranqueado de acordo com os algoritmos, não com a credibilidade.

(Até mesmo os profissionais que podiam se diferenciar com um tique azul ao lado de seus nomes já nem sempre podem contar com ele).

O maior risco ou consequência é não saber em quem confiar. E espirais são geradas onde não há confiança e transparência. Não é possível assegurar os interesses que levam as pessoas a publicarem críticas duras ou elogios rasgados nas suas redes.

É a natureza do digital, que faz de todos nós também somos cúmplices dessa realidade que transforma pessoas anônimas em grandes experts a serem validados.

Inclusive (e principalmente, neste caso) os próprios chefs, quando o que mais importa para eles é a atenção que recebem — e os compartilhamentos que somam depois.

No fim, cada like conta: nesse mundo, trata-se de uma validação que se constrói com polegares levantados ou com corações ocos que logo ficam cheios e vermelhos a um simples toque de tela.

E a cada um deles, alimentamos aquilo que queremos ver ganhar mais destaque.

O que você está lendo é [Críticos gastronômicos de Instagram rendem likes, mas não credibilidade].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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