O pensamento fóssil brasileiro

Para quem se acostumou com o jornal batendo no atual governo, o primeiro editorial da 💥️Folha, na segunda-feira (22), foi uma surpresa. Em "A Amazônia e o calor", este diário escreveu que "não faz sentido abrir frentes de extração de combustíveis fósseis" e que o país "não precisa frear o próprio desenvolvimento para a mitigação da crise do clima, só reorientá-lo". A decisão do Ibama de rejeitar a extração de petróleo na foz do Amazonas "indica que uma chave foi virada". Lula 3 enfim acertou uma, conclui-se pela leitura. O curioso foi ver o restante do país bradar o contrário, no decorrer da semana, incluindo altas patentes do governo petista.

Marina Silva foi menosprezada pelo Congresso. O ministro de Minas e Energia declarou que o embaixador ambiental do país é Lula, não a colega. O premiê Arthur Lira aproveitou para acuar o Planalto, deixando correr na Câmara uma espécie de vendeta antiambiental. Atribuições dos Ministérios de Meio Ambiente e Povos Indígenas foram talhadas nas MPs de reconfiguração do Executivo. De bônus, a Casa retomou um descabido afrouxamento da proteção à mata atlântica e votou a urgência de um projeto sobre o marco temporal de demarcações, que atropela o julgamento no STF.

Marina gritou que recursos internacionais e o acordo União Europeia-Mercosul, entre outras iniciativas, minguariam com tamanho desmonte da agenda ambiental. A 💥️Folha apenas no sábado (27) foi ouvir vozes do mercado, que falaram exatamente a mesma coisa.

A mídia preferiu gastar a semana relatando as fissuras de Lula 3. Transição energética é preocupação até a página dois. O Estado de S.Paulo, em editorial, escreveu que "a questão ambiental transformou-se em uma trincheira ideológica" e que a exploração da região amazônica "não deveria ser um tabu". A discussão, porém, não se limita a um poço da margem equatorial, mas a toda exploração de combustível fóssil. A corrida tecnológica, anabolizada pela inteligência artificial, promete acelerar a obsolescência do petróleo, disse o criador do ChatGPT. Enquanto a França proíbe voos de curta duração e acionistas constrangem executivos da Shell, em Londres, o presidente da Petrobras filosofa que montar eólicas offshore, para a empresa brasileira, é como brincar de Playmobil.

Debate raso, soluções rasas. Na quinta-feira (25), manchetes castigavam o pacote do governo para subsidiar carros populares, mas poucas eram as que se atinham à incongruência ambiental da medida. A mais lida era sobre quais modelos ficariam mais baratos.

Se a chave virou, como diz o editorial da 💥️Folha, parece claro que a agenda ambiental só pegará no tranco neste país.

Campeã de reclamações de leitores na última semana, a coluna "Fui surpreendida por uma possível saudação nazista", de Giovana Madalosso, ensejou a publicação de um texto Erramos, como se diz internamente no jornal: "Folha errou ao associar propriedade de SC ao nazismo". O jornal levou quase uma semana para verificar o conteúdo do artigo, em que a escritora descreve e classifica como nazista o telhado de uma casa com a inscrição "Heil" em uma cidade do estado. Heil é um sobrenome comum na região, que passou de famílias para estradas e comércios com o tempo. Desde o século 19, quando os primeiros imigrantes alemães chegaram ao país, segundo uma das mensagens enviadas. Há um descompasso considerável entre histórias e significados.

Em sua reportagem de reparo, a 💥️Folha lembra que já havia corrigido informações da coluna através de Erramos no mesmo domingo (21) da publicação do texto no site: "É incorreto afirmar que a inscrição Heil no telhado dos imóveis ‘muito provavelmente’ seja uma referência a uma saudação nazista". O "muito provavelmente" foi substituído por um "possivelmente" no artigo, o que alimentou novas críticas.

O episódio ilustra uma das várias feridas abertas no país e infeccionadas pelo discurso extremado de redes sociais e agentes públicos. No lugar de trabalharem pela moderação, locupletam-se de likes e votos. Antes mesmo da contestada coluna ter ido ao ar, um leitor de Joinville já se queixava ao ombudsman de muitos comentários pesados feitos em reportagens relacionadas a Santa Catarina e Paraná. É o mesmo ódio que brota nas ofensas e ameaças a Madalosso, que não podem ser confundidas com a justa crítica.

Tampouco ajuda a 💥️Folha não se abrir ao debate. O jornal ignorou comentários acerca do episódio em seu tradicional canal, o Painel do Leitor. Deixar a tarefa para a mídia social é se render à pancadaria.

O que você está lendo é [O pensamento fóssil brasileiro].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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