Camadas do fundo de um lago retratam como presença humana transformou radicalmente a Terra

"O mundo está mudando: sinto-o na água, sinto-o na terra e farejo-o no ar." Quem só assistiu aos filmes da série "O Senhor dos Anéis" se acostumou a ouvir essa frase na voz augusta de Cate Blanchett (a elfa Galadriel); nos livros, quem a pronuncia é o ent (gigante arvoresco) Barbárvore. Trata-se, no fundo, de um resumo da conclusão do romance de fantasia de J.R.R. Tolkien: o fim de uma era e o começo de outra, caracterizada pelo Domínio dos Homens. E se fosse possível detectar diretamente algo muito parecido com isso no nosso mundo do século 21? Algo que prove, para além de qualquer dúvida, que a nossa espécie passou a moldar a Terra de forma irreversível?

A resposta a essa pergunta pode ser encontrada em muitos lugares, mas tudo indica que a versão mais contundente e consolidada dela, a que entrará para os livros de geologia e de história, vem do lago Crawford, no Canadá. Os cientistas encarregados de definir formalmente o início do chamado Antropoceno –a época geológica caracterizada pela intervenção humana maciça em diversos aspectos do funcionamento do planeta– estão usando o lago como o exemplo por excelência desse fenômeno.

É por isso que convido o leitor para um mergulho naquelas águas alcalinas. Entender os detalhes que fazem do lugar um exemplo tão útil para entender o Antropoceno é, ao mesmo tempo, uma pequena aula de método científico e um retrato do poderio –frequentemente destrutivo– que desenvolvemos como espécie.

Uma das análises mais completas da lagoa canadense foi publicado na revista científica The Anthropocene Review por uma equipe da Universidade Brock, no Canadá. A primeira coisa a se ter em mente é que o lago Crawford parece um grande funil: relativamente pequeno (2,4 hectares de área) e fundo (24 m entre a superfície e o leito). Isso faz com que as camadas d’água, embora bem oxigenadas, misturem-se pouco. Por causa da salinidade e alcalinidade elevadas, há pouca vida animal no fundo.

E esse é o primeiro grande pulo do gato: tais características fazem com que camadas muito estáveis de sedimento possam se depositar anualmente no leito do lago Crawford. Todo ano é a mesma história: durante o outono, uma lâmina mais escura de matéria orgânica desce ao fundo (como estamos no Canadá, muitas árvores perdem as folhas nessa época); no verão, essa camada é recoberta por outra, mais clara, de minerais ricos em cálcio. Essa regularidade nunca é bagunçada pela chamada bioturbação (invertebrados aquáticos cavando o leito, por exemplo).

Ou seja, o fundo do lago é um reloginho, ou melhor, um calendário. Cilindros de sedimento tirados de seu fundo podem ser datados ano a ano com pouquíssima incerteza.

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