Problemas sobre cotas raciais são mais simples que parecem

Metade da população brasileira é a favor de cotas raciais nas universidades públicas, de acordo com o que mostrou o Datafolha em 2023. A outra metade inclui quem é contra (34%), indiferente (3%) ou não sabe (12%). A avaliação positiva está ligada à percepção de que a lei mudou o perfil de ingressos e formandos, aproximando-os do resto da população brasileira.

Um diploma de medicina da USP, Unifesp ou Unicamp gera, para um aluno negro ou outro qualquer, uma perspectiva de renda futura de US$ 100 mil/ano, fazendo com que as portas dos colégios de elite se abram para os seus filhos, que poderão combater o racismo do topo da pirâmide socioeconômica, o que é essencial para que induzam efeitos sistêmicos e tornem as cotas raciais dispensáveis.

Na minha visão, o principal fator de endosso da tese de que as cotas raciais ainda são necessárias, a despeito das cotas sociais, é a expressiva assimetria nas chances de ascensão social de brancos e negros, igualmente pobres. Esta se relaciona à presença de vieses nos domínios da carreira e do empreendedorismo, os quais ajudam a entender por que a taxa de negros decresce conforme perscrutamos níveis mais altos das hierarquias corporativas e do serviço público.

Paralelamente, a pobreza negra é espacialmente mais concentrada que a branca, o que injeta dificuldades de ascensão parcialmente independentes da renda e da escola frequentada. Há também a conhecida super-representação de negros na população carcerária, fruto de diferenças de tratamento por parte das forças de segurança, julgadores e outros entes institucionalizados.

A base para a classificação de um candidato a aluno ou servidor público como potencial cotista é a autodeclaração. Se eu tivesse modelado esse fluxo, iria por aí, dado que é mais simples, barato e reduz a judicialização. Do mais, funciona bem na prática.

Conforme reportado pela BBC em 2023, "na UFRJ já foram 280 denúncias de possíveis fraudes nas cotas raciais desde a implantação do sistema [...]. A USP investiga 41 denúncias. A Unicamp desligou 9 alunos e a Unesp expulsou 30". Considerando que só a USP recebe mais de 10 mil alunos novos por ano, fica claro que a taxa de problemas é baixa. Superdimensioná-la é uma forma de distorção.

Feitas essas considerações, é evidente que o tratamento dos casos dúbios ou espúrios é um desafio de otimização decisória altamente relevante. A questão em jogo não é só a sorte de alguns candidatos, mas a maneira como organizações-chave do país solucionam problemas que, em face de sua natureza pública, são de interesse nacional.

É certo que as heurísticas utilizadas são todas igualmente irrelevantes para a grande maioria da população, mas isso não inibe a sensação de pertinência da questão, que é projetada nos píncaros da coisa pública. Assim, não seria correto dizer que esse é um debate fabricado por setores contrários às cotas raciais.

O que de fato se observa é a exploração dos flancos abertos por casos como o do candidato Alison Rodrigues (Faculdade de Medicina da USP) por aqueles que são críticos às cotas ou só às bancas de heteroidentificação, o que me parece natural, dado que o papel de muitos intelectuais é exatamente esse: criticar aquilo que lhes parece ruim ou insuficiente.

Como são construídas as críticas mais agudas? Elas utilizam os argumentos de militância antirracista para concluir que o método atual de tratamento de casos dúbios é em si racista.

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