Lidamos com uma mão de obra mal preparada e infeliz, diz economista

Zeina Latif não deseja passar imagem de ingratidão. Diz ter sido feliz como gestora no mercado financeiro, mas chegou o momento em que o curto ou curtíssimo prazo de carteira de investimentos não a satisfazia. Ela queria mais.

Uma das poucas mulheres em cargos de chefia nas finanças, ela deixou a XP, onde era economista-chefe, em 2023. Foi secretária de Desenvolvimento Econômico do estado de São Paulo por seis meses em 2022 até se tornar sócia-diretora da Gibraltar Consulting.

É onde tenta achar o consenso entre economia, demandas sociais e, principalmente, educação em um mundo que, ela mesmo concorda, é cada vez mais complicado.

"Hoje lidamos com uma sociedade com uma mão de obra mal preparada e infeliz. Muitas vezes, os jovens que vão para a escola não veem o retorno daquele tempo investido, e isso afeta a produtividade, a mão de obra e a cidadania", disse ela à 💥️Folha antes de palestra sobre o cenário econômico e o impacto na educação, na posse, em março, de Lúcia Teixeira na presidência do Semesp, entidade que representa instituições de ensino superior no Brasil.

Para a doutora em economia pela USP (Universidade de São Paulo), a maior ameaça ao crescimento do Brasil está em uma cisão que provoca um clima de desconfiança generalizada. Algo que pode chegar ao "ponto de não retorno", como define. Especialmente em como pobres e ricos enxergam uns aos outros.

💥️Em 2022, a sra. publicou o livro "Nós do Brasil: Nossa Herança e Nossas Escolhas", que fala sobre questões históricas e como elas se relacionam no histórico de subdesenvolvimento nacional. O país mudou desde então?
Do que escrevi, reafirmo a convicção de ver um país que aos poucos amadurece. Preocupa o ritmo lento. Nós temos situações muito preocupantes na parte da educação, dos indicadores sociais, no meio ambiente, da violência.

A preocupação dos economistas é que vamos muito devagar nesses avanços, e isso gera pontos de não retorno.

Um ponto de amadurecimento é ter concorrência na política. A gente pode gostar ou não de um lado ou se decepcionar com um político ou outro, mas o fato é que temos hoje um país com visões da sociedade que se refletem na política.

💥️Mas não há também um clima de decepção quanto ao crescimento da economia?
A gente tem, desde os protestos de 2013, uma sociedade que se tornou mais exigente. Aquele fenômeno da nova classe média é um grupo que está frustrado. O sonho prometido não foi entregue.

Nós tivemos uma recessão gravíssima no país. Ainda não houve a volta para os patamares pré-recessão. Por exemplo, nos bens de consumo, não retornamos ao nível pré-crise, sendo que a nova classe média vinha em uma rampa de crescimento.

Ao mesmo tempo, esta é uma sociedade mais vibrante. Ficaria preocupada em ter um quadro econômico como esse em uma sociedade apática.

💥️É mais difícil encaixar uma política econômica em sociedade polarizada com anseios opostos?
A maioria dos países ricos é democrática. O que temos é de reforçar os canais de comunicação. E aqui vou além da economia. Quanto mais a gente tiver um sistema que consegue traduzir esses anseios dos diferentes grupos na agenda pública, mais maduro está ao país.

Hoje em dia não vejo políticos desconectados da sociedade. A grave recessão de 2014 a 2016 foi fruto de uma desconexão da classe política com os problemas econômicos do país. Houve muitos erros de política econômica apesar dos alertas.

💥️A sra. percebe um descontentamento com os rumos dos últimos anos?
É para ter descontentamento mesmo porque a gente está falando de um país que, se por um lado tem algum crescimento da economia, por outro cresce de forma muito desigual. Isso reforça a necessidade de acelerar a reforma do Estado.

A gente falha miseravelmente na questão da igualdade de oportunidades. Criamos uma cisão na sociedade, e o aspecto que me preocupa mais é a sensação de pobre contra rico.

Preocupa a desconfiança das classes mais populares em relação à elite. Ninguém confia no governo, o pobre não confia no rico, que não confia nas instituições. Isso é um problemão, é uma falha do Estado na provisão de serviços públicos de qualidade de forma acessível.

Por isso, a gente precisa acelerar as reformas para ter uma ação estatal mais justa.

💥️Por isso que a sra. escreveu que o pecado original foi negligenciar a educação?
Ah, foi. Historicamente a nossa elite não valorizou a educação. Isso desde a forma como o país nasceu como nação e que teve uma escravidão tão longa.

Não havia interesse do proprietário rural porque não queria perder essa mão de obra, o olhar racista de que não era preciso cuidar do negro depois de ele ser liberto.

No dia seguinte [ao fim da escravidão], ninguém lembrou que tinha uma sociedade a ser cuidada. Os Estados Unidos têm racismo? Têm racismo, mas o país cuidou da educação dos libertos.

Uma coisa é universalizar a educação, outra é conseguir ensino de qualidade. Ensino de qualidade não é só pôr recurso. Você tem uma questão de gestão, tem de enfrentar sindicatos, precisa ter uma sofisticação institucional muito maior.

A gente, na prática, não conseguiu ainda universalizar, né? Se essa é a melhor forma de ascensão, se é a melhor forma de distribuição de renda, a gente tem falhado muito.

Hoje lidamos com uma sociedade com uma mão de obra mal preparada e infeliz. Muitas vezes, os jovens que vão para a escola não veem o retorno daquele tempo investido, e isso afeta a produtividade, a mão de obra e a cidadania.

Se a sociedade não teve acesso à educação de qualidade, cai em discursos populistas, não consegue ter uma visão crítica.

💥️Por isso que a sra. disse que, apesar de ser considerado um país emergente, o Brasil, na prática, não é?
O Brasil é um país emergente. Mas, em relação ao grupo dos demais chamados emergentes, temos um desempenho muito pior. Somos emergentes no sentido da renda média. Mas naquela ideia de país emergente que exibe altas taxas de crescimento, da acumulação de capital, não somos. Não exibimos o desempenho esperado de um país emergente.

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