Aos 85 anos, Coppola brinda ao seu mais belo fracasso
Francis Ford Coppola teve um número igual de grandes sucessos e grandes fracassos. Entre os últimos está "O Fundo do Coração", de 1982. Uma injustiça: é seu filme mais bonito e o mais puramente cinematográfico.
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Em grande parte porque foi realizado inteiramente nos estúdios Zoetrope, a produtora que o diretor acabara de criar. Os cenários compõem uma Las Vegas metafórica, como disse a crítica Pauline Kael. Com seus luminosos piscantes, fazem pensar numa Cinecittà psicodélica.
O cartaz mostra uma dançarina dentro de uma gigantesca taça martini. É Nastassja Kinski, no auge da beleza. Ela povoa a fantasia do protagonista Hank, que trabalha num ferro-velho, não à toa chamado Realidade Destruída.
Na imaginação dele, Kinski surge enorme, como um djinn dos desejos, para depois escorregar pelas paredes da taça, iniciando uma dança, entre o erótico e o etéreo. Gim é um gênio. Depois se encontram, em carne e osso, bebem bourbon da garrafa e invocam uma chuva de Dom Pérignon.
Um dia antes, Hank estava com a namorada, Frannie. Começam a transar e súbito uma luz vermelha tinge a sala. Ela vai ao banheiro e a cor volta ao "real", revelando os móveis comuns ao redor. Ele pega um abajur, põe no chão e cobre-o com um lenço vermelho. Naquele momento, é ele o diretor.
O efeito é pífio, mas acentua o jogo entre o artifício e a emoção. É aí que "O Fundo do Coração" se equilibra. É aí também que a própria definição de cinema toma forma. O casal acaba brigando, desfazendo a camuflagem.
A delicada ilusão de Coppola quase termina com sua carreira. O musical romântico afundou nas bilheterias e ele foi à falência. Com o tempo, "O Fundo do Coração" virou cult e inspirou obras tão díspares quanto "La La Land" e "CSI".
Na série sobre a equipe de polícia científica de Las Vegas, há um episódio que faz alusão à versão colorida do film noir proposta por Coppola, com sombras de persiana nas paredes e pás de ventiladores girando no ritmo do suspense.
A dançarina burlesca Dita Von Teese personifica a mulher fatal, inebriante em seu número na pole-taça de martini. Se Yeats estivesse na plateia, diria: "o martini entra pela boca/ e pelos olhos o amor/ essa é toda a sabedoria/ que nos cabe até a morte".
O CSI Greg se apaixona por ela, que se finge de recatada. Num restaurante, navegam por sete martinis. Ele a vê através da taça e suspira. Não é sua lupa, por isso não percebe o mal por trás da transparência.
Do alto, os hotéis-cassinos lembram as garrafas iluminadas de um bar. Nas ruas, esbarram-se cantores canastrões, crupiês sedutoras, mágicos de mãos ágeis e dançarinas de pernas longas. Como na roleta do amor em "O Fundo do Coração", a sorte pode surgir a cada esquina.
Coppola comemora 85 anos neste dia 7. Lançou em janeiro uma nova versão de sua linda extravagância, "One From the Heart: Reprise".
Produtor de vinhos, é provável que brinde com sumos de Baco em seu aniversário. A não ser que esteja na casa-hotel da família na Itália. O bartender de lá criou um coquetel especialmente para seu poderoso chefão. Sem artifícios: as ervas são colhidas na horta.
💥️CICCIO VODKA COCKTAIL
45 ml de vodca
45 ml de água tônica
20 ml de suco de limão
Uma colher e meia de chá de açúcar mascavo
30 ml de Cedrata (ou soda limonada)
Manjericão e alecrim
Coloque o limão, o açúcar e quatro folhas de manjericão num highball. Macere levemente e encha de gelo. Acrescente os demais ingredientes e mexa com suavidade. Decore com alecrim.
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