Sem legalização da maconha, K9 e outros sintéticos continuarão matando usuários

O que mais me aflige no debate em curso sobre a descriminalização da maconha é que ele é míope em relação ao futuro. Esta não é a sua única deficiência grave.

Há o desprezo pelas evidências presentes e a instrumentalização de posições jurídicas de que falou Conrado Hübner, mas nem isso me parece mais problemático do que a falta absoluta de interesse em indagar: como será que as drogas baseadas na ativação de receptores canabinoides, como a maconha, estão evoluindo e o que isso indica sobre os impactos de longo prazo da proposta de emenda constitucional para criminalizar "a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

A minha tese é que basta pensar um pouquinho sobre esse cenário para compreender que há milhares de vidas em risco dobrando a esquina dos anos e que a única maneira de salvá-las é caminhando em sentido à legalização do uso recreativo da maconha, para o que a descriminalização é o primeiro passo.

Antes de considerá-la, vale perguntar: a maconha é inofensiva à saúde? Não, de forma alguma. Ela aumenta a chance de doenças cardiovasculares e alguns cânceres, além de ser perigosa para alguns perfis psiquiatricamente vulneráveis e para os cérebros em desenvolvimento.

A questão é que decisão alguma deve ser tomada com base nos riscos associados àquilo que está sob judice ou, ainda, com base nas consequências positivas de se decidir à revelia dos mesmos. Decisões tampouco devem ser tomadas olhando apenas o presente.

O que importa para maximizar as chances de sucesso é o ponto de parada da gangorra formada pelos prós e contras (balanço utilitário), nos cenários futuros em que essas escolhas passam a moldar a realidade. Ou seja, é fundamental se pautar pela comparação de modelos de futuro.

Os fatores que devem entrar nesses modelos possuem especificidade local, como, aliás, é o caso em matérias jurídicas e legislativas em geral. No Brasil de hoje, o problema do crime organizado é muito maior do que o produzido pelo aumento dos casos de doenças cardíacas ou tumores de língua, garganta ou pulmão em função do consumo de maconha. Os custos sociais e econômicos são diversas vezes superiores, e o número de mortes relacionadas habita outra escala de grandeza. Tratamentos médicos evoluem, a brutalidade do crime organizado não parece tratável da mesma maneira. É essencial incluir isso.

Do mais, é sempre importante incorporar os sinalizadores externos. Nos países em que houve legalização total ou parcial da maconha, a aprovação da população é maciça. Nos Estados Unidos, por exemplo, pesquisa do Pew Research de 2022 revelou que "a vasta maioria dos americanos (88%) diz que a maconha deve ser legal para uso médico e recreativo ou apenas para uso medicinal (30%). Apenas um em cada dez (10%) diz que a maconha não deve ser legal, de acordo com pesquisa de 10-16 de outubro de 2022. Essas visões permanecem as mesmas de abril de 2023".

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