Eleonore Koch, que fez das praças vazias um retrato da solidão, ganha exposição

No segundo andar de um sobrado numa rua arborizada próxima ao parque Ibirapuera, em São Paulo, um armário guardava frascos de vidro com pigmentos em azul, vermelho, amarelo e tantas outras cores, como se fossem relíquias. Ao lado, ficava um cavalete com uma tela de pintura.

Era o ambiente de trabalho de Eleonore Koch, uma pintora meio esquecida por décadas no Brasil mas que teve a sorte de ver o começo do reconhecimento e da valorização de sua extensa obra antes de morrer, em 2018, aos 92 anos.

Desde então, a discípula de Alfredo Volpi foi tema de várias exposições, teve obras vendidas em um leilão e participou da Bienal de São Paulo —antes, em 2013, havia inspirado um livro da editora Cosac Naify. Não é à toa, portanto, que uma tela sua era ofertada a R$ 2,8 milhões na feira SP-Arte, há poucos dias.

As celebrações em torno desta imigrante judia alemã que aportou em Santos quando criança, fugindo do nazismo com a família, ganham agora outro patamar. O Museu de Arte Contemporânea da USP, o MAC, acaba de abrir a maior exposição já montada sobre a pintora, com 190 obras de todos os momentos de sua produção, boa parte das quais nunca antes mostrada.

Em paralelo, o festival É Tudo Verdade faz quatro exibições —duas em São Paulo e duas no Rio de Janeiro— de um documentário de 80 minutos sobre a vida de Koch, dirigido por Jorge Bodanzky. E, no segundo semestre, chegará às prateleiras um novo livro com diversas análises acerca de sua pintura, a exemplo de um texto de Ludmilla Fonseca que relaciona a composição pictórica de seus quadros com o cinema.

"A conversa com o cinema é muito interessante, eu acho que é o barato do trabalho dela", afirma Fernanda Pitta, a organizadora da mostra. Nos quadros de Koch, "você está diante de um cenário que não tem ação, mas que evoca a possibilidade de ação —é a possibilidade da presença da figura humana, que ali está ausente".

Em suas telas, Koch criava ambientações ao pintar objetos de seu cotidiano doméstico —uma xícara, um bule, uma mesinha lateral, uma cadeira— e elementos de parques de Londres e do Rio de Janeiro, duas das cidades onde morou além de São Paulo, como arcos, bancos e árvores.

Ao abolir a perspectiva e os sombreados, a artista prezava por uma luz uniforme, de modo que figura e fundo se confundem em pinturas que transmitem a sensação de solidão. Koch criava a partir de cartões postais e de fotografias que ela mesmo tirava.

Seu grande mestre foi Volpi, com quem estabeleceu uma relação de maior proximidade do que de aluna e professor. No filme de Bodanzky, a artista conta que, embora o pintor das bandeirinhas não fosse de muitas palavras, disse a ela para parar de pintar com óleo e mudar para a têmpera —as cores espessas deste tipo de tinta são uma marca dos trabalhos de Koch, assim como o traço visível das pinceladas.

"Era uma relação de amor e ódio, muito mais ampla do que só a pintura", conta Koch no documentário, sobre sua convivência nos fins de semana com o artista italiano, com quem cozinhava e almoçava espaguete ao alho e óleo. Ela também se correspondia com o filho e a filha de Volpi, as duas únicas figuras humanas que pintou durante sua carreira —ambas as telas estão expostas no MAC.

No filme, intitulado "As Cores e Amores de Lore", apelido pelo qual era conhecida, a artista afirma se ressentir da falta de reconhecimento de seu trabalho no Brasil e do fato de ter sido recusada várias vezes na Bienal de São Paulo até finalmente ser aceita, com duas pinturas de carrinhos japoneses expostas na edição de 1961 e que também podem ser vistas na exposição do MAC, junto à uma fotografia de época.

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