Quem é mãe nos casais homoafetivos?

Uma pergunta que sempre retorna é sobre quem seria a "mãe" nos casais homoafetivos com filhos. Se são dois homens, quem faria o papel da dita cuja? E se engana quem pensa que sendo duas mulheres a coisa estaria resolvida. Afinal, das duas, qual seria "A" mãe mais legítima? Questão que deixa atônitos tanto os defensores da cisheteronormatividade quanto os casais que lutam pela causa LGBTQIA+.

Discussões, notícias e reflexões pensadas para mulheres

Cito em meu último livro o trabalho da antropóloga americana radicada no Brasil Claudia Fonseca sobre a circulação de crianças entre famílias pobres da periferia de Porto Alegre. É possível acessar pelo YouTube um vídeo no qual ela conversa com Claudiane, de 9 anos.

A criança conta alegremente que tem três mães: a mãe de leite, a mãe de criação e a mãe que a teve, ou seja, quem amamentou, quem tomou conta e quem pariu. Não se trata de um trisal, mas da quebra do paradigma que faz crer que "mãe só tem uma", ou seja, que, pelo bem da criança, quem gestou, quem amamentou e quem cuidou teriam que ser, necessariamente, a mesma pessoa.

Na vida real, as coisas não se passam como os defensores da família nuclear doriana professam. Existem inúmeras circunstâncias nas quais somos criados com configurações muito mais ricas e diversificadas. Bons e maus encontros entre pais e filhos se dão em todas as estruturas familiares e a clínica psicanalítica é testemunha disso.

É de se esperar que queiramos saber de onde viemos, pergunta central de nossa existência. E tudo começa com um corpo, claro, sem o qual não há sujeito. Então é legítimo que, no momento oportuno, sejamos informados sobre as condições em que nossos corpos foram engendrados e a quem devemos esse feito. Nunca é demais lembrar que a reprodução envolve, ao menos, duas pessoas. A resposta, no entanto, só aponta para genitores, não necessariamente pai e mãe.

Quem estava lá para nós, na hora mais desamparada de nossa existência? Aqui as respostas podem variar muito e nunca se resumem a uma pessoa só. Mesmo a mãe solo, excessivamente sozinha na responsabilização, se utiliza de apoio familiar, de amigos ou de profissionais.

Separando a pessoa que pariu —que pode ser um homem trans—, resta saber o que entendemos por mãe. Associamos ao significante mãe um tipo de cuidado. Aquele que só uma mulher seria capaz de oferecer. E quando se trata de duas mulheres é comum voltar a aposta na gestação como prova da "verdadeira" maternidade, criando falsas hierarquias.

As mulheres têm sido melhores na esfera dos cuidados? A resposta, em geral, é sim. Não há dúvida de que centenas de anos dedicados à técnica de manter vivo e saudável o filhote humano nos deixou em grande vantagem em relação aos homens. Assim como liderança, competição e autonomia são a tônica da criação dos meninos.

Essas "patentes", no entanto, vêm sendo quebradas, permitindo que homens e mulheres transitem entre as caixinhas de gênero.

O cuidado dito materno nada mais é do que um tipo de dedicação que mães, pais, avós e cuidadores podem e devem oferecer caso assumam uma criança. É o tipo de cuidado que Margaret Mead encontrou entre os pais de recém-nascidos do povo arapesh. Ela o chamou de cuidado materno mesmo sendo realizado por homens pais, o que revela a dificuldade em pensá-lo fora da generificação.

As crianças merecem que a história de sua existência lhes seja contada, e fica mais fácil fazê-lo se não nos pautarmos por modelos preconceituosos.

Não precisamos inventar uma mãe onde ela não existe nem criar hierarquias da maternidade pela via da genitoridade. Precisamos só aprender a amar mais e melhor os que dependem de nós.

O que você está lendo é [Quem é mãe nos casais homoafetivos?].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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