Quando, em Portugal, há 50 anos, em uma quinta feira de abril, como hoje

Estou em Lisboa. Os dias de abril aqui são longos e luminosos. Hoje, nestas paragens do norte, o ângulo do sol com a Terra faz com que o dia dure até depois das 9 da noite mas, em 1974, a ditadura em Portugal tinha suspendido a hora do verão e, no horizonte, também a noite chegava mais cedo.

A Revolução dos Cravos chegou numa manhã clara, como escreveu Camões, ao som de passos firmes pisando a terra. José Afonso cantava na rádio "Grândola, Vila Morena" e nesse mesmo dia, antes do sol se pôr, nada seria como antes.

O meu pai, então operário, passava a vida a pedir-nos segredo, a mim e a minha mãe. Meu irmão era ainda um bebê, quando, em casa, ouvíamos baixinho as vozes da onda curta entoando murmúrios de canções de combate. Sérgio Godinho. Maré Alta, "a liberdade está a passar por aqui".

O senhor Manuel, era, à época, um dirigente da Juventude Operária Católica (JOC), e inspirava o seu combate democrático na saudade longínqua de uma ideia de liberdade importada do Brasil, morta no golpe de 64, que bebia do exemplo solidário do bispo Hélder Câmara.

Protegido por seus ideais católicos, o meu pai espalhava ideias de futuro, defendendo a paz, o que então equivalia a protestar contra a guerra. Isso valeu-lhe umas quantas anotações em sua cédula profissional e algumas desagradáveis visitas à Polícia Internacional e de Defesa do Estado (Pide).

No dia 25 de abril de 1974, há exatamente 50 anos, eu tinha 7 anos e também era quinta-feira. Levantei-me e tomei o café da manhã que a minha mãe preparou e, como em qualquer outro dia, percorri a pé o caminho até à escola. Estranhei quando, ainda antes do recreio, onde sempre que não chovia jogávamos futebol, o meu pai me foi buscar.

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Ele veio de carro mas, como a escola não ficava a mais de 500 metros de nossa casa, logo entendi que alguma coisa fora do comum tinha acontecido. Arrumei os livros e cadernos e obedeci à professora. Atravessei o pátio e logo topei com o Austin 1100 azul claro que era à altura o modesto carro da família.

Recordo o momento como se fosse hoje. A porta abriu-se e lá dentro e, com um enorme sorriso, ainda mais reluzente, debaixo dos óculos de massa preta que eram moda nos anos 70, o meu pai disse: "Anda, Zé Manel. Chegou a revolução".

O meu pai era 1 de 11 irmãos. Dos que sobreviveram ao parto, 5 eram homens e todos eles foram soldados. Havia guerra em África, guerra feroz na Guiné e em Angola. Guerra contra o futuro, Portugal tentando impedir a independência e autodeterminação das suas antigas colônias. A moeda portuguesa, o escudo, não tinha convertibilidade no mercado internacional, Portugal era condenado na ONU e estava isolado do mundo. Mas nem assim o regime caia.

Até que, nesse dia de abril, quinta-feira como hoje, militares e cidadãos, de mãos dadas contra a guerra, depunham um regime podre, pobre e anacrônico. Um movimento de capitães e tenentes, militares de carreira do baixo clero das forças armadas, rompia finalmente o ranço de décadas e levava Portugal para o século 20, acabando com o Estado Novo que lançara o país em um atraso deliberado de décadas.

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