África do Sul repensa legado de Nelson Mandela 30 anos após o fim do apartheid

Não muito longe da rua Vilakazi, onde a casa em que Nelson Mandela morou foi transformada em um museu-santuário, Kenneth Khoza está fazendo campanha para o Lança da Nação (MK, na sigla em zulu), um novo partido político nomeado em homenagem ao antigo braço armado do Congresso Nacional Africano (CNA, o partido do próprio Mandela). "Mandela era falso", ele diz. "Ele nos traiu."

Chris Lebona, que nasceu e cresceu na agora famosa rua em Soweto, é um apoiador do MK. Ele culpa Mandela por persuadir o CNA, na época o principal movimento de libertação, a suspender a luta armada em 1990 antes da conclusão de um acordo pós-apartheid para acabar com o governo de minoria branca.

"O CNA não é um homem só, e ele começou a negociar fora das estruturas do partido", diz Lebona, referindo-se às negociações secretas que Mandela realizou inicialmente com o então presidente FW de Klerk quando ainda era prisioneiro. "Fomos enganados", acrescenta, refletindo uma visão comum de que a maioria negra foi prejudicada pelos termos da transição. "Foi aí que o problema começou, e o CNA sofreu as consequências ao perder o apoio do povo."

Trinta anos após o fim do governo de minoria branca e semanas antes de uma eleição que pode privar o CNA da maioria absoluta que comanda desde 1994, o fato de algumas pessoas questionarem o legado de Mandela destaca a profunda desilusão que muitos sul-africanos sentem em relação ao seu país.

Para a maior parte do mundo, Mandela continua sendo um gigante moral cuja disposição em perdoar seus opressores brancos foi a chave para desbloquear um fim negociado ao sistema moralmente falido do apartheid. Na África do Sul, o legado de Mandela como pai da luta pela libertação também tem resistido. Muitos acreditam que sem a habilidade quase santificada de Mandela de negociar com seus opressores, o país poderia ter mergulhado na violência e nunca ter feito a transição para a democracia.

Mas alguns jovens nascidos após o fim do apartheid querem respostas sobre o que deu errado em um país onde a cada dois jovens um está desempregado, a criminalidade é generalizada e a desigualdade associada à identificação racial permanece evidente. O otimismo dos primeiros anos pós-apartheid se esvaiu para ser substituído por desafeição e a convicção de que a velha guarda do CNA deveria ter tomado medidas mais radicais para corrigir os erros da era do apartheid.

"Minha geração acredita que Nelson Mandela foi um vendido", diz Busisiwe Seabe, uma ativista nascida em 1994, o ano em que Mandela se tornou presidente após a vitória do CNA nas primeiras eleições multipartidárias do país. "Ele abandonou a busca pela libertação negra, incluindo a emancipação econômica."

À medida que a economia sul-africana entra na segunda década de estagnação —praticamente não houve crescimento em termos per capita desde 2008— e as oportunidades diminuem para os sul-africanos negros sem conexões políticas, um número crescente de pessoas está começando a culpar Mandela e os líderes da era da libertação. No cerne disso está a acusação de que Mandela permitiu que os brancos mantivessem a riqueza e o privilégio que acumularam sob um sistema racista que mantinha os negros pobres e sem educação de propósito.

Embora se espere que o CNA saia das eleições de 29 de maio ainda como o maior partido, pesquisas mostram que uma crescente insatisfação com seu desempenho poderia levá-lo a ficar abaixo de 50% nacionalmente, inaugurando uma nova era potencialmente volátil de política de coalizão.

A erosão da reputação de Mandela tem sido acompanhada por outro fenômeno: o aumento da apreciação por Winnie Madikizela-Mandela, uma feroz ativista contra o apartheid que foi esposa dele durante seus 27 anos de encarceramento. "Ela representa um meio alternativo de entender nosso atual predicamento", argumenta Seabe. "Alcançar a liberdade política não significou nada sem a liberdade econômica."

"O que está borbulhando é um sentimento de que fomos enganados, de que fomos ludibriados e de que essa promessa será adiada para sempre", diz Joel Modiri, jurista e professor de direito da Universidade de Pretória, referindo-se à crença agora desvanecida de que o fim do apartheid traria oportunidades econômicas reais para a maioria negra. Em vez disso, diz ele, a maioria dos negros permanece presa em bairros pobres com uma educação de baixa qualidade e poucas perspectivas de emprego.

A geografia da segregação racial do apartheid persiste e serviços como eletricidade e água estão à beira do colapso devido ao subinvestimento crônico, à corrupção e ao vandalismo. Tudo isso está "criando descontentamento em relação ao CNA, à comunidade branca e aos estrangeiros", diz Modiri. "A transição colocou a reconciliação à frente da justiça e certas questões importantes foram abafadas. E agora elas estão retornando de forma virulenta."

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