1º de Maio esvaziado resulta de individualismo e até de igrejas, diz pesquisadora

O público muito abaixo do esperado na comemoração do 1º de Maio das centrais sindicais sinaliza a distância da agenda dessas entidades das demandas dos trabalhadores.

Na avaliação da cientista política Andréia Galvão, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), movimentações políticas e questões ideológicas mexeram não apenas com o mundo do trabalho, mas com a subjetividade dos trabalhadores, e isso interfere no que eles consideram importante —uma disputa com frequência mais individual e menos coletiva.

Em relação ao esvaziamento do ato, diferentemente da queixa feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à comunicação, Galvão diz que a questão "não é exatamente um problema de divulgação". "Está mais ligada à dificuldade dos sindicatos de falarem com a base, e acho que isso tem várias razões."

"Os trabalhadores se tornam mais refratários à organização e à ação coletiva, ficam mais distantes do sindicato e apostam muito mais na capacidade de encontrar saídas individuais, ou a partir de movimentos sociais organizados em torno de outras identidades, além do apoio oferecido pelas igrejas e pela própria família", afirma.

Ainda assim, a pesquisadora diz considerar o 1º de Maio uma data fundamental, que precisa ser valorizada.

💥️O ato das centrais sindicais no 1º de Maio deste ano foi visto como esvaziado, chegando a ser alvo de queixas do presidente Lula. O que esse esvaziamento diz sobre a capacidade de mobilização dos sindicatos?
Ele revela essa dificuldade de organização e de mobilização da base em torno da luta por direitos, em torno de pautas políticas.

Os atos do 1º de Maio estão sempre conformados em torno de questões mais gerais que as centrais sindicais têm na agenda e negociam periodicamente com o governo. Isso indica dificuldade muito grande de fazer com que essa agenda chegue e faça sentido aos trabalhadores.

Não é exatamente um problema de divulgação [como disse Lula]. Está mais ligada à dificuldade dos sindicatos de falarem com a base, e acho que isso tem várias razões.

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💥️Na discussão da regulamentação do trabalho mediado por aplicativos, a relação com os sindicatos gerou certa tensão. Por que esses trabalhadores são tão refratários ao modelo tradicional de representação? Por que além da dificuldade de mobilização, os sindicatos também despertam essa oposição?
Acho que tem vários fatores que se devem a mudanças nas condições e relações de trabalho nos últimos anos, relacionadas às formas de organização e gestão das empresas e às novas tecnologias.

O trabalho de plataforma é uma expressão disso, e a mudança na legislação desde a reforma trabalhista de 2017, com a introdução de novas formas de contratação, é outra.

O aumento da precarização dificulta a sindicalização. Ocupações precárias são muito frágeis do ponto de vista dos seus vínculos: a rotatividade é maior, a remuneração é menor, os níveis de qualificação são mais reduzidos, a informalidade e a própria ausência de vínculo de emprego são indicativos dessa precariedade.

Há ainda o contexto político e ideológico, porque vivemos um período de muita mudança política desde pelo menos 2015, e essas mudanças todas interferem na realidade do trabalho e na subjetividade de quem trabalha.

Outro fator a ser considerado é o impacto do neoliberalismo entre dirigentes sindicais e trabalhadores, porque essa ideologia desresponsabiliza o Estado da produção do bem-estar e transfere a responsabilidade ao indivíduo, que vai provê-la da maneira que puder.

Pode parecer estranho dizer que os dirigentes também são afetados por isso, mas eles descuidaram da defesa de direitos e passaram a priorizar as necessidades mais imediatas e individuais dos trabalhadores.

E os trabalhadores se tornam mais refratários à organização e à ação coletiva, ficam mais distantes do sindicato e apostam muito mais na capacidade de encontrar saídas individuais, ou a partir de movimentos sociais organizados em torno de outras identidades, além do apoio oferecido pelas igrejas e pela própria família.

A realidade desses trabalhadores, suas péssimas condições de trabalho e de vida, faz com que muitos deles, como os entregadores e motoristas de aplicativos, criem associações a partir de um movimento que vem da base, justamente porque eles não se sentem representados pelos sindicatos.

Eles têm condições de trabalho diferentes porque não têm vínculo de emprego nem direitos, e tendem a achar que os sindicatos só representam os trabalhadores formais, o que não é verdade. Não é que eles não se organizem, eles estão experimentando [outro modelo].

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💥️Questões como uberização, pejotização, empreendedorismo de necessidade. Como a crise dos sindicatos atravessa essas nuances do mundo do trabalho?
A crise dos sindicatos é atravessada por essas mudanças. O trabalho precário sempre foi muito presente no mercado de trabalho brasileiro, que é muito desestruturado, muito desigual. A taxa de informalidade sempre foi muito grande.

As novas modalidades de contratação vêm sendo usadas para substituir assalariados por trabalhadores contratados por serviço, que deixam de ter acesso a direitos e garantias que tinham enquanto empregados.

Essas fórmulas de contratação são muito usadas pelas empresas para burlar direitos e é uma prática difundida, mas há também o aspecto ideológico.

Os trabalhadores também vão se vendo nesse lugar por causa de uma propagação das vantagens de ser autônomo, de ser independente, empreendedor. Mas também pelas experiências que esses trabalhadores e trabalhadoras têm nos seus vínculos anteriores de trabalho.

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