Reação a clipe de Anitta expõe intolerância religiosa

Anitta, a musa pop brasileira do reggaeton e do funk, acaba de lançar o clipe da canção "Aceita", produzido com belas cenas em preto branco, com direção de João Wainer e Ricardo Souza, em que aparece em rituais de candomblé. A simples divulgação das primeiras imagens fez com que ela perdesse, segundo afirmou, cerca de 200 mil seguidores nas redes sociais.

Como Anitta disse, sua espiritualidade é mais ampla. "Se um dia vocês me virem na Igreja Católica, na evangélica, na umbanda, no xamanismo, vão ver também porque eu gosto. Mesmo sendo macumbeira, sendo bem-vinda, eu vou". O clipe também mostra situações de outras religiões.

A reação negativa é pura intolerância, mais um mau sinal desses tempos de sectarismos e tribalização da vida social.

Conflitos religiosos e outros, hoje comumente enquadrados no termo "polarização", não são novidade. O efeito amplificador causado pelo advento da internet e campanhas de ódio nas redes sociais pode dar a impressão de que antes os debates e confrontos transcorreriam de maneira pacífica e educada. Tudo teria se tornado irascível depois do algoritmo, o que não é bem verdade, embora o ambiente tenha de fato piorado.

Desde seus primórdios no Brasil colonial, as religiões de matrizes africanas são alvo de terrorismo e perseguições, movidas inclusive pelo Estado, com a hipócrita aquiescência ou cumplicidade de muitos.

O primeiro Código Penal da República brasileira, diga-se, proibia a prática de "espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio e amor, inculcar cura de moléstias curáveis e incuráveis, enfim fascinar e subjugar a credulidade pública". Com isso legalizava-se o caminho para a dura repressão à religiosidade de comunidades negras, embora não só.

Hoje, a Constituição assegura o respeito à liberdade religiosa, mas os terreiros e locais de culto de candomblé e umbanda continuam sendo alvos de intolerância e racismo, não raro com a indiferença cínica de parlamentares e autoridades públicas.

Receba no seu email uma seleção de colunas e blogs da Folha

O governo de Jair Bolsonaro destacou-se em sua cruzada "terrivelmente evangélica" para sabotar o caráter laico do Estado e fomentar uma nefasta onda de religiosidade moralista, que certamente favorece a violência de fundamentalistas neopentecostais, milicianos e seja quem for contra as religiões de matrizes africanas.

Sabe-se que numa sociedade dissimulada e hipócrita como a brasileira, os cultos que se formaram desde a colonização contam com a adesão muitas vezes silenciosa de setores da classe média e da elite branca, em conhecidas manifestações de ecletismo e sincretismo. Tentar consolidar um muro de separação é deplorável.

A intromissão da religião na esfera política é um desastre que assume hoje no Brasil proporções alarmantes. É um festival de sacerdotes, pastores e pseudorrepresentantes de Deus e da Bíblia a vociferar sandices e apontar que isso ou aquilo é coisa de satanás. Os Malafaias e as Michelles que infestam o espaço republicano com seu teocracismo cristão rudimentar são um fenômeno perigoso para a democracia liberal, como não poucos têm apontado.

Manifestações em tese políticas, como a que Bolsonaro promoveu na avenida Paulista para tentar inutilmente livrar a cara de seu golpismo, tornaram-se espaço para proselitismo de igrejeiros reacionários. Deus, pátria e família, o velho lema fascista está aí, reabilitado —se é que algum dia nos deixou.

O que você está lendo é [Reação a clipe de Anitta expõe intolerância religiosa].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

Wonderful comments

    Login You can publish only after logging in...