Entrevista a Sara Cerdas: “Portugal tem várias especificidades que o tornam altamente vulnerável às descargas poluente

© European Union 2024 - Source : EP

O Parlamento Europeu aprovou hoje sanções mais pesadas para a poluição em mares europeus por parte de navios. Sara Cerdas, eurodeputada e negociadora deste relatório pelo S&D, falou com a Green Savers para explicar o que está em causa e sobre os desafios que persistem no nosso País.

Segundo a eurodeputada, a revisão da diretiva sobre a poluição causada por navios tem como principal objetivo “cumprir o Pacto Ecológico Europeu, prevendo um conjunto de sanções, nomeadamente penais, para qualquer descarga ilegal que ocorra nos mares europeus”.

O principal desafio que Portugal enfrenta é a monitorização de possíveis descargas ilegais, “uma vez que o elevado fluxo de navios que todos os dias navegam junto à nossa costa pode causar alguma demora na análise e resposta aos alertas que as autoridades marítimas portuguesas recebem – e em muitos dos casos podem tratar-se de falsos alertas”, explica Sara Cerdas.

O relatório foi aprovado com 583 votos a favor, 27 contra e 12 abstenções.

💥O que é que está em causa e o que irá mudar com este documento?

A revisão da diretiva sobre a poluição causada por navios tem como principal objetivo cumprir o Pacto Ecológico Europeu, prevendo um conjunto de sanções, nomeadamente penais, para qualquer descarga ilegal que ocorra nos mares europeus. A existência de elementos sancionatórios funciona como um fator preventivo para futuras ações poluidoras causadas por navios.

Com um texto revisto e adaptado aos novos desafios, a União Europeia ganha uma ferramenta mais eficaz para proteger os ecossistemas marinhos de possíveis focos de poluição e um conjunto mais apertado de sanções para as empresas de navegação que poluem as nossas costas.

💥Quais os Principais objetivos da diretiva revista e quais os principais elementos da nova diretiva?

Os principais objetivos da revisão é alinhar a diretiva com as regras dos Regulamentos Internacionais, nomeadamente a Convenção de MARPOL (Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios), com o objetivo de uniformizar as regras já existentes nos casos de poluição causada por navios. A revisão também visa prevenir qualquer tipo de descarga ilegal e pretende melhorar a base de dados da Agência Europeia da Segurança Marítima – EMSA (CleanSeaNet), o que conduz a uma efetiva cooperação entre os Estados-Membros.

A principal novidade da revisão é o alargamento do âmbito de aplicação da diretiva para abranger um conjunto mais amplo de substâncias poluentes, onde se inclui os ✅pellets, pequenas esferas de plástico que em janeiro de 2024 causaram um dos maiores atentados ambientais na Galiza. Por fim, considero importante referir que a nova diretiva garante um quadro jurídico reforçado para sanções e a sua aplicação aos agentes.

💥Sara Cerdas é negociadora pelo S&D da revisão da diretiva que prevê as alterações às regras de poluição por navios. Quais as maiores dificuldades sentidas nesta negociação?

O processo de negociação foi positivo. A grande maioria das sugestões, que negociei em nome do meu grupo político S&D, foram aceites.

Embora a negociação tenha decorrido na base de um debate saudável e muito participativo de todos os grupos políticos, existiram algumas dificuldades, nomeadamente na ambição a dar ao texto final. Só um texto verdadeiramente ambicioso, que proteja os nossos mares das descargas ilegais de elementos químicos, conseguirá cumprir com o Pacto Ecológico Europeu e acabar com os atentados ecológicos que a costa europeia sofre todos os anos. O resultado foi, felizmente, reflexo desta ambição.

💥Disse que “apesar das regras vigentes na União Europeia para prevenir a poluição causada por navios, persistem desafios, particularmente nas águas portuguesas”. Que desafios são esses no nosso País?

Portugal tem várias especificidades que o tornam altamente vulnerável às descargas poluentes provocadas por navios. A sua Zona Económica Exclusiva, uma das maiores do mundo, é passagem de milhares de navios mercantes e os portos nacionais são ponto de chegada e partida de navios de cruzeiro.

Este grande fluxo marítimo transforma o nosso país suscetível a desastres ecológicos causados pelas descargas ilegais destas embarcações.

O principal desafio que Portugal enfrenta é a monitorização de possíveis descargas ilegais, uma vez que o elevado fluxo de navios que todos os dias navegam junto à nossa costa pode causar alguma demora na análise e resposta aos alertas que as autoridades marítimas portuguesas recebem – e em muitos dos casos podem tratar-se de falsos alertas.

💥Os países da UE, a partir da aprovação, têm 30 meses para transpor as novas regras para o direito nacional e preparar-se para a sua aplicação. Portugal preveniu-se para esta transição?

Portugal, e todos os Estados-Membros, estão bem preparados para transpor a diretiva para as regras nacionais. Esta diretiva não é nova, trata-se de uma revisão mais apertada, pelo que o enquadramento jurídico nacional não é estranho a estas regras. O que existe com esta nova revisão é um melhoramento na aplicação da diretiva e uma uniformização das normas que eram já aplicadas nos Estados-Membros.

💥De que forma é que “apertar” as exigências no que toca à poluição marinha pelos navios pode também contribuir para os esforços de conservação da biodiversidade, especialmente no âmbito do Acordo de Kunming-Montreal e da Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030?

A aplicação de sanções previne descargas ilegais nos mares europeus, cumprindo o princípio do poluidor-pagador. O objetivo é reduzir o número de casos de poluição que afetam diretamente os nossos ecossistemas marinhos.

A revisão da diretiva cumpre os objetivos principais da Convenção de Kunming-Monterral, na redução dos riscos de poluição e as suas repercussões negativas, a fim de atingir a meta de restaurar 30% dos ecossistemas degradados até 2030.

💥A revisão desta legislação ajudará a proteger a saúde e os meios de subsistência das comunidades mais dependentes dos recursos e ecossistemas marinhos? Como?

Sim. O objetivo principal é a redução dos desastres provocados pelas descargas ilegais decorrentes de navios. Ao proteger os ecossistemas marinhos europeus e as atividades económicas diretamente dependentes, estamos a assegurar uma economia mais próspera. E são muitos os setores que dependem dos nossos mares, em especial o setor das pescas – que está diretamente ligado ao consumo humano. Este relatório e muitos outros que estão em revisão pretendem colmatar todos os níveis de poluição, desde os mares à redução da utilização, por exemplo, dos próprios plásticos.

Especialistas de todo o mundo apresentam estudos inovadores sobre como os micro e nanoplásticos, uma vez inalados ou ingeridos, se comportam ao chegarem aos nossos pulmões e cérebros. É por isso que precisamos de avançar com uma perspetiva interdisciplinar que envolva a ciência, a inovação, a indústria e as políticas públicas para enfrentar estes problemas que põem em causa a sobrevivência dos ecossistemas e a saúde animal e humana.

💥Esteve nomeada para o prémio Eurodeputada do Mandato (2019-2024). A distinção surge no âmbito do trabalho que a eurodeputada socialista tem vindo a desenvolver em prol dos cidadãos europeus, em áreas como a Saúde, o Ambiente, a Proteção Civil, entre outras. Ao nível do Ambiente que evoluções destaca quer a nível europeu quer nacional e o que é que ficou aquém do que esperava?

A UE evoluiu nos últimos anos significativamente e está comprometida em reduzir em 55% as emissões de gases com efeito de estufa até 2023, e em garantir uma União Europeia com um impacto neutro no clima até 2050. Os investimentos têm, por isso, de estar em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e com o Acordo de Paris sobre o Clima.

Neste mandato, tive a oportunidade de negociar um relatório que visa garantir que todos os novos carros e carrinhas vendidos na UE terão emissões zero a partir de 2035.

A transição climática é uma prioridade e estamos empenhados em assumir a liderança no combate mundial às alterações climáticas.

Os Estados-Membros e os planos nacionais devem cumprir este desígnio e adaptar as estratégias às suas realidades, mas a análise sobre os resultados das medidas adotadas virá a médio e longo prazo. Não obstante, Portugal tem sido um dos países que mais tem tomado a dianteira nesta matéria. Foi, por exemplo, o primeiro país do mundo a reconhecer o clima como Património Comum da Humanidade na sua legislação, com a aprovação da Lei de Bases do Clima.

*Com Filipe Pimentel Rações

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