Catadoras de sementes conquistam moto, carro e casa em Mato Grosso

Quando recorda seu passado, Milene Alves, 24, conta ter vivido uma "infância de miséria", em que mal havia um bife para cada um comer. A mãe de Milene era empregada doméstica, o pai pescador. Eles enfrentavam dificuldades financeiras e alguns problemas de saúde mental.

Há dez anos, no entanto, uma atividade incomum mudou as perspectivas da família de Milene. De Nova Xavantina (MT), ela, sua mãe, pai, irmão e marido passaram a coletar sementes nativas em áreas verdes da cidade.

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Minha saúde melhorou bastante. [Com as coletas] a gente passa muito tempo no mato e fica muito agradecido pelas coisas boas que Deus oferece. 💥️Vera Alves, mãe de Milene

Mas catar sementes pode dar dinheiro? Não só pode, como permitiu à família de Milene uma ascensão social grande: "Comprei uma bicicleta, depois uma moto e da moto passei para o carro. E assim minha vida foi mudando. Hoje não trabalho mais de doméstica e minha atividade é só na rede de sementes, não tenho vontade de parar", diz a 💥️Ecoa Vera Alves, mãe de Milene. A família também conseguiu construir uma casa com o dinheiro das sementes.

Não é um caso isolado, nem mero esforço pessoal. Através da Rede de Sementes do Xingu, esse trabalho gera renda para mais de 500 coletores como eles na região, além de contribuir para plantar novas florestas em áreas degradadas e recuperar nascentes. A entrada da família Alves para a Rede transformou a realidade em que viviam.

Hoje Milene é uma das principais lideranças jovens da Rede. Foi a primeira da família a ter curso superior e é mestranda em Ecologia e Conservação pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). "Quis ser bióloga para contribuir com a Rede", diz a 💥️Ecoa.

1 por amor, 2 por dinheiro

2 - Rogério Assis/ISA - Rogério Assis/ISA 3 - Guaíra Maia/ISA - Guaíra Maia/ISA 4 - Erik Vesch/Cama Leão/ISA - Erik Vesch/Cama Leão/ISA Milene Alves no encontro que comemorou os 15 anos da Rede de Sementes do Xingu

Ao longo dos anos, Milene foi notando as alterações no clima através da rotina das coletas. Nova Xavantina sempre foi uma cidade de clima quente. Mas, uma década atrás, ela e a família aguentavam passar o dia todo catando sementes.

Saíam cedo, levando uma marmita de farofa. Na hora do almoço, paravam debaixo de uma árvore para comer e então continuavam, só voltavam às seis da tarde. Hoje, o calor é tanto que a mãe de Milene, Vera, é obrigada a parar antes do meio dia para não passar mal.

O que mais a impressionou foi a transformação das áreas alagadas onde coletavam sementes dos muricizais. Antes, a água batia na cintura ou nos joelhos. Hoje secou.

Essas mudanças foram acendendo um alerta para Milene. O aquecimento do planeta prejudica a qualidade das sementes, o que causa problemas no ciclo de vida da planta que vai germinar.

"Eu converso com coletores indígenas, de assentamentos e também da cidade, e todos eles dizem a mesma coisa: o clima está mudando e a qualidade das sementes está diminuindo", diz.

Ela decidiu então estudar no mestrado o impacto da emergência climática em sementes nativas da Amazônia e do Cerrado. Sua pesquisa submeteu as dez espécies de sementes mais comercializadas pela Rede de Sementes do Xingu a temperaturas que variam entre 35º e 60º C, verificando quais são mais resistentes e quais não suportam as temperaturas elevadas.

A descoberta de quais sementes resistem melhor a temperaturas mais altas deve contribuir para manter a eficiência dos plantios de restauração, que contribuem para reduzir as mudanças climáticas sequestrando carbono e preservam o sistema hidrológico do Xingu.

"Ela vai poder indicar qual semente é preferível plantar para a recuperação de áreas degradadas a médio ou até curto prazo das mudanças climáticas", afirma a professora Beatriz Marimon, orientadora de Milene no mestrado. "A importância da pesquisa dela é enorme".

Durante o período do mestrado, Milene também teve uma filha: Ana Julia. A maternidade é mais um fator que impulsiona sua atuação pelo planeta:

"Depois que ela nasceu, ficou ainda mais forte a responsabilidade de continuar. Talvez eu não colha os frutos da árvore que eu planto hoje, mas minha filha vai colher.".

*A repórter viajou a convite da Rede de Sementes do Xingu e do Instituto Socioambiental

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