O que são histórias 'afropotyguares' e qual a importância delas para o país

De que serve uma contadora de histórias? Preta, oriunda do agreste potiguar, no terceiro menor estado do Nordeste brasileiro em extensão territorial. É a partir daqui que conto as histórias brasileiras que aprendo nos becos, rodas, sítios, casas de santo, lugarejos, projetos e quebradas desse estado pouco notado no complexo campo de relações de poder e disputas identitárias e territoriais do Brasil. No reconhecimento do valor das histórias e na missão de contá-las está a possibilidade de ecoar valores coletivos e vê-los se enredando nos contos de outras esquinas brasileiras, em lugares de onde não se espera haver nascedouro.

Conto histórias afro-brasileiras, o que tem a ver com revisar, estudar e ecoar estratégias de sobrevivência, necessárias e urgentes no cotidiano de toda pessoa que não pertence a grupos majoritários no Brasil. Aqui nós escrevemos com todo o corpo, com corpos coletivos, também a partir de silêncios estratégicos e das nossas condutas em um exercício relacionado à criação de repertório para a recriação da resistência elaborando um tipo de educação que não costuma habitar as salas de aula.

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Propus em 2023, em Natal (RN), a Casa Afropoty, coletivo de artistas pretas/os/es e LGBTQIAP+ cujo objetivo é ir contra narrativas de não existência contando histórias afropotyguares através de pesquisa e arte. Aqui nós buscamos fortalecimento profissional, geração de renda e criação de forma que nossa arte encontre canais de circulação e possa contar histórias de forma peculiar, exercendo o direito à imaginação na recriação de nosso passado individual e coletivo, concedendo à nação o privilégio de acessar pontos de referência diversos e crescer com isso.

Conto histórias afropotyguares porque ainda habitamos o desconhecido. Sabe-se pouco acerca das intersecções étnicas e dos protagonismos populares do Rio Grande do Norte, situação arquitetada pela construção de uma narrativa histórica oficial que folclorizou a diversidade e repetiu insistentemente sobre a presença de pessoas pretas e indígenas apenas no passado, a ponto de que o presente nos veja como uma relíquia pouco importante para a conformação da identidade potiguar. Como construir arte negra se a nossa existência consta como uma concessão residual das histórias brancas?

Nossa proposição se pauta sobre a urgência de que a construção estética das periferias étnicas, territoriais e de gênero brasileiras passem a fazer parte das narrativas oficiais desse país. Nós digerimos discursos visuais e sonoros antes que a palavra se projete no universo e seja elaborada dentro de uma forma narrativa textual, que nem sempre poderá ser acessada pela maioria da nossa população ainda estruturalmente excluída de espaços de educação formal de forma equânime e por isso nos preocupamos em narrar de forma a sermos entendidas pelos nossos.

O Nordeste ocupa 18% do território nacional, o Norte representa mais de 45% de nosso país. Nós geramos valores culturais sobre 63% do espaço físico nacional, e diasporamos por toda parte construindo conceitos de nação que reverberam sobre as cenas disruptivas que amanheceram no Brasil em 2023. Essas cenas vêm sendo elaboradas desde antes da definição presidencial em 2022 cuja participação dessas duas regiões foi fundamental. O mapa dos votos está inclusive em consonância com o mapa da fome brasileira, cuja elaboração política influencia nossas estéticas mais vanguardistas.

A potência das histórias está validada pela sobrevivência de seus narradores e suas comunidades. Essas vozes coletivas persistem a ponto de serem capazes de reformular simbólica e efetivamente discursos e representações a nível nacional como esse ano bem nos mostra. Acreditamos que é preciso iconizar novas imagens no imaginário coletivo com fins educativos, preparando a nação para lidar um pouco melhor com o fato de que nós vamos continuar existindo, habitando e alimentando as encruzilhadas nas esquinas Nordeste deste Brasil.

💥️*Stéphanie Moreira é preta, mãe, candomblecista e aprendiz de capoeira de angola. Desenvolve tecnologias sociais para implementação de estratégias de diversidade e inclusão e nos últimos 17 anos tem atuado como pesquisadora/consultora nas temáticas da diversidade étnico-racial com ênfase nos estudos sobre diáspora negra. Como artista tem se preocupado em criar narrativas sobre o corpo negro em diáspora a partir da performance, fotografia e direção de arte. Desde 2017 tem proposto projetos de impacto social com foco na redução de desigualdades sócio-econômicas, de raça e gênero no Nordeste brasileiro

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