Parque Augusta mostra que SP não é só trabalho, mas precisa descentralizar

Em uma entrevista sobre futebol de várzea em São Paulo, a historiadora Diana Mendes Machado lembrou a paisagem dos campos de terra batida no centro de periferias ao destacar como, mesmo em um contexto de moradias pequenas, aquele espaço tinha um valor tão grande que nenhuma casa poderia ocupá-lo. Essa percepção veio à mente observando a discussão sobre a capa da revista "Veja São Paulo" acerca do Parque Augusta nos últimos dias. Claro que se trata de situação diferente. Nesta, estamos falando de uma região central e privilegiada em termos de infraestrutura. No entanto, um aspecto é comum: a busca pelo lazer numa cidade cuja identidade foi forjada na ideia da pressa, do "progresso", do trabalho e da produtividade ao extremo. Na capa da publicação, pessoas tomam sol de biquíni e sunga em um espaço público, algo que não é tão usual na capital paulista - a maioria dos parques não permite ou restringe o uso de roupas de banho.

Inaugurado em 2023, o Parque Augusta foi fruto de longa luta da sociedade civil para que aquela área verde não se tornasse um conjunto de prédios. Ele fica no distrito da Consolação, uma região com pouca área verde (Centro e Zona Leste têm menos arborização na cidade), mas fácil acesso a parques como o Ibirapuera e o da Aclimação. Já o Minhocão, pertinho dali, mesmo sem verde algum, mostrou-se um local pelo qual as pessoas do entorno estavam sedentas: seja para andar de bicicleta, patins, tomar sol, correr, caminhar; seja apenas para encontrar amigos e conversar ao ar livre sem ter de pagar por isso. Quer dizer, mesmo em regiões onde é possível e comum caminhar até um parque (eles estão no raio de alcance), existe demanda por mais espaços públicos de lazer, o que talvez se justifique pela dinâmica de vida das pessoas da região - alto adensamento, apartamentos pequenos, lazer caro - e pelas características de diálogo com a diversidade desses espaços. Fato é que o uso desses locais provou sua relevância. Nos dois casos, é importante considerar que eles passaram também a atrair pessoas de toda a cidade.

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Já a região em que está o Parque Augusta e distritos vizinhos, como Bela Vista e Sé, tem poucos equipamentos de esporte, mobilizando moradores em iniciativas autogestionadas, com suporte posterior do poder público: sob o Viaduto Jaceguai há o Arena Bela Vista, com quadra de futebol e poliesportiva. Já a Rua de Lazer Maria José, próxima dali, tem brincadeiras e atividades físicas aos domingos. Em ambos os casos, atendem a muitas crianças que vivem em pensões e ocupações de bairros centrais - dialogam com o território, onde não moram apenas jovens de classe média, como a publicidade de empreendimentos recentes faz parecer. Parques na região devem considerar essa demanda: a acessibilidade não se dá apenas pela gratuidade e proximidade, mas pela adequação. Afinal, o Centro de São Paulo não é homogêneo, sendo atravessado por diversidade e desigualdades profundas.

Há parques fora do centro - e é preciso mais

1 - Lucas Chiconi, 2022. - Lucas Chiconi, 2022. 2 - Lucas Chiconi, 2023. - Lucas Chiconi, 2023. 4 - Lucas Chiconi, 2023. - Lucas Chiconi, 2023. 5 - Lucas Chiconi, 2017. - Lucas Chiconi, 2017. Parque Linear do Canivete, no Jardim Damasceno, junto à Serra da Cantareira.

*Além de muita gente lutando por aí, há também muita gente jogando bola, tomando sol, seja na rua Augusta, seja em outros parques, praças e demais áreas possíveis da cidade, como os campos de várzea, lugares que as populações dão sentido afetivo, de pertencimento, devendo o poder público estar atento a isso. Visibilizar essas práticas é também disputar a identidade de São Paulo, ajudando inclusive a proteger diferentes territórios de ações de especulação imobiliária que desconsideram o lazer gratuito, ou minimizam sua importância para a população, mostrando que há sim uso, necessidade de melhoria e interesse.💥

💥️*Adriana Terra é jornalista e mestre em Estudos Culturais pela EACH-USP pesquisando cidade, cotidiano e pertencimento. Escreveu, entre 2018 e 2023, o blog SP a Pé no portal ysoke. É também professora na Faculdade Santa Marcelina.

💥️*Lucas Chiconi é arquiteto e urbanista, mestrando em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo na FAU-USP, pesquisando desindustrialização, mercados imobiliários e transformações sociais. É consultor em Política Urbana.

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