Depressão de fim ano: isso existe?

Ao ir ao supermercado nos últimos dias, você deve ter visto aquele panetone a venda e se tocado: "Caramba, já é Natal!"

Pronto, basta esse gatilho, seja o que for que queira chamar, para se dar conta que mais um ano passou. E aquela velha reflexão venha à tona: o que fiz nesses quase completos 365 dias?

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O que nos é vendido nessa época do ano são pessoas felizes se reunindo com as tradicionais roupas vermelhas (ou brancas, se for na virada do ano). Os presentes por todos os lados, famílias fazendo a contagem regressiva para se abraçarem e brindarem o tempo novo que vem pela frente. Mas acontece que nem tudo é tão belo e simples assim. Claro que existe uma audiência muito maior para a felicidade que aparece na mídia, quando mostra lojas abarrotadas de gente comprando ou trocando presentes. Esse lado da vida também é importante.

Temos muito que celebrar a vida, mas uma boa parte da população não está nesse clima, nesse ritmo. E é justamente nesse lugar de festividade que ela não se encaixa que também se inicia um processo de dor que menciono logo a baixo.

Qual o espaço para que essas pessoas possam se reconhecer e verem que não estão bem, que não se sentem confortáveis em confraternizações e mais: por que essas datas, que em tese seriam de comemoração, se tornam tão difíceis e solitárias? Por que, sim, embora seja pouco ou nada divulgado, nessa época do ano aumentam as tentativas de suicídio, ideação ou mesmo depressão entre as pessoas.

Em conversa recente com um colega psiquiatra discutimos algo recorrente nos consultórios: pessoas se queixando de não gostarem do fim de ano. A princípio provocamos que não há muito o que possa fazer sobre essas datas. Você pode não gostar de comemorar seu aniversário, então você não fala para ninguém a sua data de nascimento e pronto. Agora, com o Natal é impossível. Ele está em todo lugar e é mundial. Não tem muito para onde fugir.

Não damos a devida atenção a uma camada mais profunda de pessoas que nessa época se veem perdidas e que acabam caindo em sofrimento. Consideramos a depressão de fim de ano aquela angústia de falta de sentido sobre esse clima de felicidade que o período "exige".

Com a chegada de fim de ano, os gatilhos podem ser acionados. Para os adultos podemos pensar sobre as perdas que tiveram, luto, em que as reuniões familiares já não fazem mais sentido já que não terão pessoas chaves de suas vidas ali. São feitos balanços sobre carreira profissional, o que foi conquistado, tem uma uma alta cobrança, seja sua própria, familiar, social e até religiosa. E o mais recorrente das angústias: os "fracassos." Pensa-se em tudo aquilo que projetam e não alcançam. E ficam presos nesses pensamentos e sentimentos que as acomete, desesperançosos, angustiados e entram em um momento de solitude.

Também arrastamos para o fim do ano decisões cruciais em nossas vidas, como aquela mudança de emprego, o término do relacionamento. Vemos a virada do ano como algo mágico que o simples ato de dormir e acordar em outro ano vai fazer com que o abuso no trabalho, nas relações, um aumento de salário, menos carga horária de trabalho, tudo vai mudar. Mas trago más notícias, não vai.

Não vai porque para que tudo isso possa acontecer necessita de uma peça fundamental, que é você mesmo. Falta você levantar e tomar as rédeas da sua vida, afinal, ela está passando, ela vai passar, quer você queira ou não, como digo aos meus pacientes. Você tem duas escolhas: sentar na janela e ver o tempo passar como simples coadjuvante ou ver esse mesmo tempo passar sendo o protagonista dele.

Para além disso, a dor é única, subjetiva. Os adolescentes também têm as suas angústias. Um ponto que vem chamando muito a atenção são as comparações. Embora também seja assim para os adultos, hoje nossos jovens têm várias redes sociais em que seguem influencers que mostram suas vidas em grandiosidade. São sempre rotinas épicas, nas quais o jovem vai comparando e construindo uma sensação de que a sua vida do outro lado da tela não tem graça. Enquanto esses influencers estão viajando mundo afora, passando o Natal e Ana Novo em grandes eventos, o jovem que o assiste está em casa com sua família, numa vida "normal" e isso parece tedioso. Em outros casos, ele deixa de ir à praia por não achar seu corpo bonito e dentro de um padrão que o influencer contou no vídeo ou na publicação.

É importante identificar quando existe tristeza ou depressão com uma pessoa. Chamamos de depressão quando as emoções estão desregulados. Ela é grave, severa. A agonia e o sofrimento que essa pessoa sente gera impacto no desenvolvimento das atividades, nos paralisa até para as tarefas mais simples.

A tristeza é um sentimento que pode ter uma razão, um motivo. Pode ser algo específico que nos aconteceu e que ficamos incomodados, mas ela não incapacita. É algo que faz parte das nossas emoções.

Então o que fazer quando estiver passando por algum momento assim ou qualquer outra coisa que esteja lhe gerando ansiedade, angústia, sofrimento ou até mesmo tristeza? Buscar ajuda de um profissional da área da saúde mental.

Parece óbvio falar disso, mas não é. Existem muitas pessoas que não sabem que podem receber ajuda de um psicólogo ou psiquiatra, ou que não conhecem os caminhos para isso. Para muitos falar de saúde mental ainda é luxo, algo que poucos têm acesso. Existe ainda aquelas falas de que "não sou louco", ou "não preciso de remédio". São frases que representam a falta de informação e a reprodução de um estereótipo.

Você não é louco ou algo assim, mas adoece como qualquer outra pessoa ou doença que te faz buscar um médico clínico, um Pronto Socorro. Hoje já está mais evidenciado por pesquisas científicas que o nosso corpo fala quando a mente não está bem, quando ela está adoecida. Exames identificam uma doença orgânica bem facilmente, mas com a nossa mente não é assim que funciona. Mas podemos entender que algo está diferente em nós, e é por isso que precisamos de ajuda de um bom profissional. Ele que nos apoia para a identificar o que está acontecendo e buscar alternativas para sua melhora.

É preciso ter cuidado ao buscar esses profissionais. Hoje com o mundo digital muitas pessoas estão por aí vendendo soluções milagrosas. E não existe uma receita mágica em que tudo vai se solucionar.

A "depressão de fim de ano'' pode ser algo com a qual a gente nunca tenha que lidar. Ou algo que surja a partir de um determinado momento das nossas vidas. Pode ser algo que não tenha um motivo aparente, ou algo que tenha um disparador. O mais comum é não virmos bem o ano todo, mas algum fato marcante e evidente aparece nessa época por alguns tópicos já citados. Consideramos então uma depressão sazonal, onde ela acontece em algum período do ano, aqui, no fim do ano, pelos tópicos mencionados, mas também é bom lembrar que cada pessoa vai dar o sentindo da sua dor e angustia, embora o que frequentemente chega aos consultórios sejam essas as dores, é nesse clima melancólico de fim de ano se potencializa nossas emoções.

Também podemos considerar pessoas que já tenham passado por uma depressão e fiquem mais vulneráveis. A essas e todas as outras pessoas é preciso ficar atento aos sinais, e respeitar os limites.

Essa época do ano requer mais atenção. São inúmeros os sentimentos, um cansaço natural de ano todo trabalhado fica evidente, tudo se potencializa.

💥️Marta Ravazzi é psicóloga, especialista em psicologia hospitalar e saúde. Atua na área de saúde mental movida pelos desafios da mente humana.

Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade.

O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

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