Mulheres do mar: o que você (não) sabe sobre as mulheres na pesca

Eu moro em uma ilha faz quatro anos - uma ilha mesmo, dessas que só se chega de barco. É uma comunidade costeira com 350 pessoas que cresceu nas décadas de 1950 e 1960 ao redor da pesca. Quando me mudei para cá, achei que havia ganho poderes de invisibilidade. Fiquei impressionada com como nos primeiros meses os locais evitavam falar comigo. Eu podia andar ao lado do meu parceiro e apenas ele receberia um bom dia ou boa tarde, enquanto abaixavam a cabeça para não olhar para mim.

Demorei para deixar de me sentir invisível e entender que esse era apenas mais um sintoma da dinâmica local para as mulheres, que, por exemplo, desde adolescentes dificilmente vão para a praia "ficar à toa", usar o celular ou tomar um banho de mar. No dia a dia, eu só vejo homens fazendo isso. Ou no máximo mulheres acompanhadas de homens. Nunca sozinhas.

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Era difícil esperar que esse cenário fosse diferente, já que o papel das mulheres no setor pesqueiro é bastante subestimado e por muitas décadas foi considerado inexistente em muitos cantos do mundo. E eu moro em uma comunidade que só existe por conta da pesca.

As mulheres são parte significativa da força de trabalho dessa área, principalmente no pós-captura e processamento do pescado - nas Ciências do Mar, o termo ?pescado? não se refere só a peixes, mas qualquer recurso natural vindo da água com fins alimentícios, como camarões e mariscos. A definição de "pesca", contudo, muitas vezes não considera o que acontece com o pescado após ser retirado do mar, dificultando o acesso das mulheres a direitos, subsídios e meios de produção.

A própria legislação brasileira deixa as coisas um pouco confusas: enquanto a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e Pesca - Lei 11.959 de 2009 - inclui na definição da profissão as atividades que são frequentemente desempenhadas por mulheres, mencionando sua importância para a manutenção dos meios de subsistência da pesca artesanal, um outro parágrafo da mesma lei conceitua os trabalhadores da pesca apenas como aqueles que se dedicam somente à fase de captura.

mulheres na pesca - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal colaboradora marulho - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal

O documentário HAENYEO - A FORÇA DO MAR foi dirigido por Lygia Barbosa e conta a história das pescadoras de uma ilha na Coreia do Sul

Se você estiver ou for para Arraial do Cabo, a Cooperativa de Mulheres Nativas produz refeições pescadas por elas mesmas

Só para refletir, vale dar uma procurada no Google imagens em pescadorA e depois em pescador; para ver como o imaginário coletivo contrapõe mulheres de biquíni segurando peixes por diversão de um lado e o senhor que tira seu sustento do mar de outro.

💥️*Beatriz Mattiuzzo é oceanógrafa, mestranda em Práticas de Desenvolvimento Sustentável, instrutora de mergulho e cofundadora da Marulho, negócio socioambiental que intercepta redes de pesca junto a pescadores locais em Angra dos Reis. A Marulho foi a vencedora da categoria Empresas que Mudam do Prêmio Ecoa 2023.

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