O futebol brasileiro pode ser uma ferramenta de transformação social?

Nesse sentido, vale o destaque do núcleo de ações afirmativas do EC Bahia, que há anos desenvolve um trabalho democrático, construído coletivamente com sua torcida e que já rendeu diversas ações em temas relevantes para o país.

Alguns exemplos das atuações do clube são: combate ao racismo, apoio às causas ambientais e criação de parcerias com outros atores estratégicos, como na ação para reconhecimento de paternidade, realizada com a Defensoria Pública do Estado da Bahia. Outro clube nordestino, o Sport Clube do Recife, é pioneiro e possui uma vice-presidência especial de inclusão e diversidade.

Além das transformações culturais da sociedade, a indústria do futebol brasileiro passa por um intenso processo de reorganização após a aprovação das SAF's, oportunizando possibilidades para transformação de sua governança e assimilação de boas práticas de responsabilidade socioambiental.

É possível fazer mais?

Com mais de três bilhões de torcedoras e torcedores (dados do Common Goal), o futebol pode ser considerado o maior fenômeno social do planeta, que corresponde a um cenário diverso e complexo que abarca públicos enormes em termos de patrocínio, consumo e produção. Dados demonstram que o futebol brasileiro representa 0,72% do PIB nacional, com valor total de R$ 52,9 bilhões (EY/CBF 2023).

Anualmente, 47,7 milhões de pessoas acompanham as partidas pela TV (EY/CBF 2023). Só as receitas totais de clubes da Série A representaram R$ 6,55 bilhões em 2023 (relatório Convocados e XP). Para se ter mais uma ideia de grandeza, os 5 times com maiores torcidas somam 110 milhões de torcedores.

Nenhuma outra indústria consegue que seus "consumidores" fiquem tão conectados com seus produtos e serviços por tanto tempo. Afinal, seu time de coração é escolhido ou "determinado" normalmente na primeira infância e esse sofrimento e alegria segue conosco até o fim de nossas vidas.

E se usássemos de modo estratégico essa potência para praticar o bem e incidir nos principais desafios sociais do nosso país?

Dada a sua capilaridade, capacidade de engajamento e visibilidade, o futebol poderia se tornar um dos principais vetores de desenvolvimento social e de solidariedade no Brasil. Imagine se em cada partida do Brasileirão os clubes abrissem seus portões para doação de alimentos? Essa seria uma das formas de combater a fome, situação vivida por aproximadamente 33 milhões de pessoas no Brasil.

Agora, e se os clubes colocassem em suas ações perenes educativas e de defesa das mulheres? Seria um golaço na sensibilização para a luta contra um dos principais problemas do país, a violência de gênero.

Quando falamos do combate ao racismo, temos diversas ações notáveis realizadas pelo Observatório do Racismo no Futebol. Seu trabalho contínuo já se desenrolou em inúmeras ações institucionais de conscientização que podem inspirar novas iniciativas que fortalecerão ainda mais essa luta.

Essas oportunidades independem da transformação dos clubes em SAF's e já existem alguns casos de clubes associativos que realizam trabalhos sociais muito relevantes. Além do EC Bahia e Sport Clube já citados, há o SC Internacional, o São Paulo FC e o Coritiba FC. Estes últimos dois no contexto de responsabilidade ambiental, adotando práticas responsáveis e se comprometendo com acordos institucionais relevantes, como o Pacto Global.

Olhando para os exemplos europeus, os clubes que se tornaram SAF's percorreram um interessante caminho de construção de suas Fundações para ações de responsabilidade socioambiental, exemplos dos clubes da La Liga e da Premier League. O caminho percorrido por essas ligas foi de reorganização de suas governanças e responsabilidades, principalmente fiscais, para posteriormente desenvolverem ações de responsabilidade social.

Estes exemplos servem como um indicador da potencialidade que nossos clubes têm em se tornarem atores cada vez mais estratégicos na transformação social, atuando em alguns dos principais desafios sociais brasileiros atuais.

Para se ter uma ideia da potência que poderia ser um grande clube investir uma mínima parte de suas receitas em Investimento Social Privado ou ações filantrópicas, podemos usar o Flamengo como referência. Clube de maior torcida no Brasil, representa mais de 42 milhões de torcedores e recentemente atingiu mais de R$ 1 bilhão de faturamento.

Se o Flamengo destinasse apenas 1% de suas receitas (boa prática de empresas com política de responsabilidade social relevante), seriam mais de R$ 10 milhões investidos por ano, número superior ao de muitas organizações que já investem socialmente (Censo GIFE 2023).

Para além dos investimentos liderados por clubes ou federações, imaginemos a potencialidade de ações realizadas com as torcidas apaixonadas, em pautas positivas, como ações de voluntariado, financiamento coletivos, mutirões de doação, produtos sociais, entre outros. Em 2022, o grande streamer Cazé (Casimiro) incluiu o Dia de Doar em uma de suas lives sobre a Copa do Mundo Masculina e trouxe visibilidade para o assunto.

É urgente e necessário, dados os desafios sociais e ambientais vivenciados, um olhar estratégico para criação de mais iniciativas perenes que possam gerar e qualificar o investimento social relacionado ao futebol. Este é um ano ainda mais estratégico, considerando que em 2023 teremos a Copa do Mundo Feminina e devemos colocar na pauta o futebol como um ator fundamental na luta pela igualdade de gênero e redução da violência contra as mulheres.

Esses esforços devem estar comprometidos com transformações e projetos perenes, com resultados de médio e longo prazo, utilizando da força do esporte como transformador social e não apenas como uma ferramenta de comunicação ou marketing social, aqui entendido apenas em sua dimensão mais superficial e oportunista.

As oportunidades e potencialidades são gigantescas e o futebol brasileiro pode eleger como uma de suas prioridades a atuação como vetor de desenvolvimento socioambiental. Bora marcar esse golaço?

*💥️Raoni💥️ Biasucci Vega acha que o futebol é a melhor invenção da humanidade, é são-paulino, especialista em Responsabilidade Social, idealizador e ex-presidente da Walking Football Brasil. Atua como coordenador de iniciativas e projetos socioambientais na ponteAponte, onde lidera o núcleo de investimento social e futebol.

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