Mais extensos do mundo, mangues amazônicos são ameaçados pelas mudanças climáticas

Solo lodoso. Cheiro de enxofre. Árvores com as raízes altas, capazes de expelir o excesso de sal do solo. Em um primeiro momento, é difícil acreditar que haja uma exuberância de vida nos manguezais, mas eles são muito mais ricos em biodiversidade do que se imagina.

Em uma área que se estende por quase 8.000 km na costa norte do Brasil, do Amapá até o Maranhão, há florestas de mangues com árvores com até 40 metros de altura. Nesta região, os manguezais se transformam em um ecossistema rico e biodiverso.

Os manguezais são áreas onde há o encontro da água doce dos rios com o mar e compõem ecossistemas costeiros tipicamente tropicais, não existindo acima de uma determinada latitude onde há uma forte variação de temperatura.

Neles também vivem diversas espécies de animais, tanto invertebrados quanto vertebrados, como aves, peixes e crustáceos, como o caranguejo-uçá.

Os manguezais amazônicos são os mais extensos e bem preservados do mundo, segundo um estudo divulgado no último ano no periódico científico Anais da Academia Brasileira de Ciências. Isso se deve a diversos fatores, segundo os autores, mas principalmente pela cobertura florestal que recobre o entorno das áreas estuarinas.

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No estudo, os autores estimam que menos de 1% de toda a sua extensão, que é cerca de 7.800 km2, sofreu devastação nos últimos anos.

"É maravilhoso você conhecer os mangues daqui, porque são realmente muito lindos", explica José Francisco Berrêdo, geoquímico e professor do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, que estuda os manguezais da região há 40 anos.

Ele cita a baixa densidade populacional na região e a presença de unidades de conservação ao longo da costa como principais fatores que explicam a conservação do ecossistema.

Já a biodiversidade elevada pode ser explicada pela presença de grandes rios, que desembocam na foz do Amazonas, possibilitando uma maior mistura de água doce e salgada, e a baixa densidade populacional.

Segundo Berrêdo, estudos com paleomangues (registros fósseis de manguezais), indicam que eles nem sempre estiveram ali. "O mangue responde a uma variação climática, por isso é um perigo para a existência dos mangues uma grande mudança [climática]", diz.

Marcus Fernandes, biólogo e coordenador do Lama (Laboratório de Ecologia de Manguezal) da UFPA (Universidade Federal do Pará), conta que há características que diferenciam os mangues amazônicos de outros espalhados pela costa do Brasil.

"No caso da amazônia temos uma riqueza de ecossistemas, o que o difere também dos manguezais do Nordeste e do Sudeste", explica. "Mas cada um responde a alguma particularidade, por isso estamos mapeando as espécies [de mangue] na amazônia e pensando em estratégias de variabilidade genética das populações e replantio em áreas que sofreram desmatamento", afirma Fernandes.

Na corrida contra o tempo para proteger os mangues em meio à crise climática, políticas públicas como a criação de áreas de preservação ambiental pelo governo federal ajudam a manter essa floresta de pé. Porém, nos últimos anos, a atuação crescente da pesca predatória e a exploração humana na região têm pressionado os mangues amazônicos.

Uma das políticas que possibilitaram a preservação dos manguezais foi a criação, a partir da década de 2000, de unidades de conservação conhecidas como Resex (reservas extrativistas) abrangendo toda a costa paraense até o Maranhão.

Existem atualmente 14 Resex na região, onde, segundo o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade), vivem 22 mil famílias em uma área de aproximadamente 369 mil hectares entre manguezal e lâmina d’água.

Recentemente, o governo federal decretou a criação de duas novas Resex na região, a Filhos do Mangue, nos municípios de Primavera e Quatipuru, com 4.000 famílias, e a Viriandeua, em Salinópolis e São João de Pirabas, com 3.100 famílias.

Ednaldo Gomes da Silva, gestor ambiental e chefe da área temática de proteção do Núcleo de Gestão Integrada de Bragança (PA) do ICMBio, ressalta a importância da criação das unidades de conservação na região como forma de garantir a preservação do ecossistema.

"Com a decretação desses quatro municípios, nós vamos fechar o corredor ecológico [nome dado a um contínuo de florestas] que vai aumentar ainda mais essa importância [dos manguezais]."

Segundo ele, além do maior controle das quantidades de recursos naturais extraídos da floresta, as Resex ajudam a manter a atividade extrativista em um patamar sustentável na região.

"A relação [das comunidades nas Resex] com os manguezais é indiscutível, porque eles dependem daquele recurso e naturalmente preservam. É difícil existir casos de exploração do ribeirinho, do comunitário, que vai diariamente buscar ali seu alimento. Se esgotar para ele, ele fica sem seu sustento", diz.

A visão de que as populações habitantes nas Resex vivem em harmonia com os manguezais já é bem demonstrada desde antes da criação das unidades de conservação, explica a antropóloga e professora do programa de pós-graduação em Sociologia e Antropologia e pesquisadora do Núcleo de Ecologia Aquática e Pesca da UFPA Voyner Ravena.

"As Resex, elas chegam como um conjunto legal de reordenamento do território que, de forma geral, acaba também retirando um pouco daquela história, do recurso pretérito daquela localidade, mas ela não deve nunca esquecer que existiam lideranças ali que antes, através de suas relações com a natureza, desenhavam, escolhiam, ditavam a forma como o território era utilizado pela população tradicional", explica.

Nesse sentido, a pesca predatória é a principal ameaça para os manguezais. "A pesca de arrasto do camarão [que tem forte impacto marinho] antes vinha com mais de 100, 120 espécies de fauna acompanhante [como são chamados os animais que vêm junto na captura]. Hoje, 15 anos depois, para uma tonelada de camarão rosa capturado, gira em torno de 60 espécies, ou seja, em menos de duas décadas, você diminuiu pela metade a diversidade", afirma.

Silva afirma que é indiscutível a redução nos estoques pesqueiros na região nos últimos dez anos. "Antes, em uma hora de pesca, trazia seu almoço, seu jantar. Agora, para fazer isso, tem que passar muito mais tempo [na pesca] e às vezes não traz nada", explica.

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