Romance questiona se é possível romper círculo vicioso do trauma

Lançado há pouco mais de uma semana pela Companhia das Letras, "Passeio com o Gigante", o novo romance de Michel Laub, nos oferece uma rara oportunidade de reflexão sobre alguns dos temas que marcaram a política nacional durante um período que compreende desde a ascensão da extrema direita ao poder até a pandemia de Covid-19.

O livro conta a história de Davi Rieseman, empresário, advogado e líder comunitário judeu que, durante as eleições presidenciais de 2018, se envolve na campanha de um candidato que se posicionava como sendo simpático a Israel.

O que motiva o envolvimento de Rieseman na campanha é a sensação de que o candidato e os seus apoiadores evangélicos talvez partilhem de uma experiência de mundo semelhante à dos próprios judeus. Isto é, marcada tanto pela vivência do preconceito religioso como pela tentativa de superação das suas sequelas a partir de estratégias como a do judaísmo musculoso de Max Nordau —citada pelo personagem— que vislumbrava se contrapor ao estereótipo do judeu fraco, hiperintelectualizado e incapaz de se defender por conta própria.

Isso fica evidente quando Rieseman, que atua como representante de um movimento juvenil judaico, comenta sua visita aos jovens evangélicos que frequentam os acampamentos organizados pela pequena comunidade do Pastor Duílio:

"Esse povo das igrejas, meus amigos judeus, pensem na inteligência deles. No caminho que eles fizeram de uns trinta anos para cá, vinte anos, vocês não veem nenhuma semelhança entre a trajetória deles e a nossa? A gente tem um Estado agora, e eles estão a caminho de ter algo parecido."

Ao forjar uma aliança estratégica com os evangélicos e, mais tarde, fundar conjuntamente um instituto para o acompanhamento e a melhoria de vida de pessoas com deficiência, Rieseman se esquece de que toda comparação é imperfeita e que as circunstâncias que motivaram o judaísmo musculoso de Nordau no século 19 já não são mais as mesmas que enfrentamos atualmente.

É que para o personagem a história aparenta simular o mecanismo de um trauma, ou seja, os acontecimentos, ainda que novos e distintos para o observador desinteressado, sempre acabam por provocar na vítima a mesma resposta do passado, como se ela não pudesse jamais vislumbrar uma maneira de romper com o círculo vicioso das repetições.

Rieseman só começa a sentir as consequências do seu engajamento político mais tarde, quando a sua esposa se torna uma das mais de 700 mil vítimas da pandemia no Brasil. É a partir de uma visita a um hospital que ele então passa a ser tomado de assalto pela própria consciência.

O que você está lendo é [Romance questiona se é possível romper círculo vicioso do trauma].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

Wonderful comments

    Login You can publish only after logging in...