Sistema financeiro global tem ameaças silenciosas, desde endividamento à volatilidade

Desde a grande crise financeira de 2008, as autoridades globais têm se envolvido na maior iniciativa para reduzir os riscos do sistema financeiro desde a década de 1930. No entanto, a instabilidade e a gestão de riscos com falhas no mercado são resistentes às regulações.

O colapso no ano passado do Silicon Valley Bank, o 16º maior banco dos EUA, expôs erros básicos, incluindo uma falha em proteger-se contra o risco de juros crescentes minarem o valor de face de seus títulos. Isso foi seguido por uma corrida de saques com uma velocidade até então inimaginável no SVB e em outros bancos regionais.

Além disso, a venda forçada do Credit Suisse para o rival UBS na Europa, levou Agustín Carstens, chefe do Banco de Compensações Internacionais, a declarar que os modelos de negócios eram ruins, os procedimentos de gestão de riscos "eram lamentavelmente inadequados" e a governança era deficiente.

Em seguida, houve episódios repetidos de turbulência no mercado de títulos do Tesouro dos EUA de US$ 26 trilhões, o refúgio financeiro do mundo.

Mas o caso mais extremo aconteceu antes: a corrida por dinheiro em março de 2023, à medida que a disseminação da covid-19 se acelerava.

A volatilidade na época foi exacerbada pela redução na liquidez e capacidade de formação de mercado dos grandes bancos, ironicamente um resultado da resposta regulatória à crise financeira de anos antes.

Como o mercado de títulos fornece suporte vital para as operações de proteção de investidores globais, há temores de que estratégias de negociação arriscadas de fundos de hedge envolvendo grandes empréstimos representem uma ameaça constante de desestabilização.

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Enquanto isso, o mercado de títulos do governo do Reino Unido entrou em colapso em 2022, à medida que as estratégias de investimento dos fundos de pensão lutavam para lidar com um aumento repentino nos juros pagos por título e consequente desvalorização do papel.

Essa atividade desestabilizadora é fomentada, entre outras coisas, pelo crescimento acentuado nos mercados de crédito privado e por um sistema bancário paralelo que inclui fundos de mercado monetário, fundos de hedge, traders eletrônicos automatizados e outros que operam em u m ambiente menos transparente e menos regulamentado do que os bancos.

A participação de ativos financeiros globais detidos por essas instituições financeiras não bancárias aumentou de 25% após a crise de 2008 para 47,2% em 2022, superior aos 39,7% dos bancos convencionais.

Ninguém pode ter certeza de que ameaças cibernéticas ou de criptoativos possam estar presentes nesse parque de diversões financeiro onde produtos complexos proliferam.

Enquanto os mercados de crédito privado dispararam, o patrimônio líquido de companhias abertas encolheu. Segundo a OCDE, mais de 30 mil empresas fecharam capital globalmente desde 2005, principalmente nos EUA e na Europa. Essas retiradas não foram compensadas por novas listagens. A recompra de ações contribuiu ainda mais para o encolhimento.

Nesse ambiente, que parece cronicamente vulnerável a choques, os investidores passaram a esperar constantes resgates dos bancos centrais, um incentivo moralmente perigoso para mais tomada de riscos e acumulação de dívidas.

Cada uma dessas perturbações de mercado pode ser explicada como o resultado de circunstâncias particulares. No entanto, todas refletem mudanças profundas e de longo prazo no papel e na estrutura do sistema financeiro💥mundial💥️.

No período imediatamente pós-guerra, a tarefa central desse sistema era simples. O setor doméstico nos países desenvolvidos poupava por motivos de precaução e para aposentadoria. Ele passava essas economias, por meio do sistema bancário e dos mercados de capitais, para os governos para financiar déficits orçamentários e para o setor corporativo para financiar capital de giro e investimentos.

Não mais hoje. Uma combinação de globalização, aumento da dívida e mudanças na estrutura industrial reduziu a intensidade de capital dos setores corporativos nas economias avançadas.

As antigas certezas financeiras estão desaparecendo, e novas ainda não as substituíram. Uma parte vital dessa evolução tem sido a crescente dependência de muitos países desenvolvidos, incluindo os EUA e o Reino Unido, da dívida para impulsionar o crescimento econômico.

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Segundo o FMI, a dívida nas 39 economias que ele classifica como avançadas subiu de 110% do Produto Interno Bruto na década de 1950 para 278% em 2022.

O aumento foi substancialmente financiado a partir da década de 1980 por países asiáticos emergentes, principalmente a China, que mantinha taxas de câmbio subvalorizadas para facilitar o crescimento liderado por exportações.

Os superávits comerciais resultantes, combinados com sistemas bancários subdesenvolvidos e provisão de bem-estar precária nesses países, levaram a enormes superávits da poupança nacional sobre investimento.

Contrariamente ao padrão estabelecido pela Grã-Bretanha no final do século XIX, quando os britânicos exportaram grandes somas de capital principalmente para países recém-estabelecidos e de baixa renda, os fundos fluíram dos pobres asiáticos para o rico ocidente.

Esse excesso de poupança asiática foi então complementado pelo Japão, onde uma população envelhecida significava menores oportunidades de investimento e maior poupança à medida que os baby boomers se aproximavam da aposentadoria.

Antes da crise financeira de 2008, o excesso de poupança importada contribuiu para baixas taxas de juros e uma bolha de crédito que financiou boom imobiliários nos EUA e em outros lugares. Quando essas bolhas estouraram, essas economias foram direcionadas para a dívida governamental e corporativa não financeira.

Os mercados financeiros facilitaram uma enorme operação de reciclagem para lidar com esses desequilíbrios, com os instrumentos de dívida acabando por financiar o consumo das famílias por meio do sistema bancário e investimentos em hipotecas securitizadas.

Embora a dimensão asiática desse excesso de poupança tenha atraído mais atenção, o excesso de poupança tem sido um fenômeno muito mais amplo.

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Em um artigo para o National Bureau of Economic Research, Peter Chen e colegas mostraram que desde o início da década de 1980, o investimento em todo o mundo passou a ser financiado principalmente pela poupança das empresas, derivada do fluxo de caixa operacional muito acima do investimento em capital.

O choque global no mercado de trabalho decorrente da China e de outros países em desenvolvimento ingressando no sistema de comércio internacional levou a custos trabalhistas mais baixos e margens de lucro corporativas mais altas.

Os custos de financiamento e os impostos corporativos caíram, enquanto os dividendos não subiram tão rapidamente quanto os lucros. O setor corporativo global foi assim transformado de um devedor líquido para um poupador líquido.

Os acumuladores de dinheiro mais notáveis hoje são as gigantes de tecnologia dos EUA que impulsionaram a alta das ações nos últimos anos - Amazon, Alphabet, Nvidia, Tesla, Meta, Apple e Microsoft. Estima-se que suas economias em 2023 tenham excedido US$ 300 bilhões.

Os verdadeiros proprietários dessas poupanças são as famílias ricas que, direta ou indiretamente, detêm ações em tais empresas. A parcela da renda disponível destinada aos muito ricos tem aumentado consistentemente desde 1980, aumentando a desigualdade em muitos dos maiores países do mundo.

Como os ricos poupam mais de sua renda, a desigualdade levou à acumulação de um grande excedente de poupança entre os indivíduos ricos, que aumentou paralelamente aos lucros corporativos.

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