Rebeldes acumulam vitórias e ameaçam ditadura de Mianmar

Na noite em que Suu Kyi pensou que morreria após ser ferida na linha de frente de uma guerra esquecida, uma lua crescente pairava no céu. Um pingente da Virgem Maria balançava em seu pescoço. Talvez esses presságios a tenham salvado. Ou talvez, ela disse, ainda não fosse hora de morrer.

"Quando me juntei à revolução, sabia que minhas chances de sobreviver eram de 50-50", disse Suu Kyi, 21 anos, sobre sua decisão de se alistar como soldado rebelde, lutando para derrubar a junta que devolveu Mianmar à ditadura militar há três anos. "Sou uma garota comum, uma pessoa jovem comum. Acredito na democracia federal e nos direitos humanos."

Suu Kyi pronunciou as palavras "democracia federal" em inglês. Não há palavras fáceis para o conceito em birmanês.

Desde que a junta em Mianmar deu um golpe em fevereiro de 2023, encerrando um breve período de reforma democrática e voltando suas armas novamente contra manifestantes pacíficos, grande parte do país se voltou contra os militares. Uma nova geração, que cresceu durante a administração civil da laureada com o Nobel Aung San Suu Kyi, pegou em armas, juntando-se aos rebeldes que têm se oposto à ditadura militar por décadas.

Agora, após três anos de resistência desesperada, as linhas de batalha estão mudando rapidamente. Os rebeldes tomaram dezenas de bases militares e assumiram o controle de dezenas de cidades. O ritmo da vitória acelerou nos últimos dias, e as forças antijunta agora afirmam controlar mais da metade do território de Mianmar, desde as selvas até as colinas do Himalaia.

Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo

Muito do ritmo da luta parece sincopado ao de outro século: trincheiras cavadas na lama implacável, o deslizar das sandálias pelas colinas encharcadas pelo monção, o ruído das espingardas de assalto estilo AK caseiras em cidades empoeiradas. Os lançadores de foguetes múltiplos e os aviões de combate da junta podem trazer um toque moderno à matança, assim como o zumbido dos drones de batalha da resistência. Mas este conflito, com seu combate corpo a corpo e profusão de minas terrestres, parece um retorno ao tipo de guerra civil que foi documentada em preto e branco.

Se conseguirem avançar para o coração da nação —nada certo—, os insurgentes poderiam derrubar um Exército que, de uma forma ou de outra, manteve Mianmar sob seu domínio por mais de meio século. O resultado pode não ser tanto uma mudança de poder, mas sim um desmembramento de uma nação, sua vasta periferia se separando permanentemente do controle central.

"Queremos libertação do Exército de Mianmar", disse Suu Kyi. "Estou disposta a me sacrificar por isso."

A milícia da qual Suu Kyi pertence se chama Força de Defesa das Nacionalidades Karenni, ou KNDF. Reivindicando mais de 8.000 soldados, é uma organização guarda-chuva para grupos de jovens armados em Karenni, o menor estado de Mianmar e local de alguns dos combates mais intensos. Seu estrategista da linha de frente, vice-comandante Maui Phoe Thaike, é um ambientalista que estudou na Universidade de Montana, em Missoula (EUA).

O KNDF e suas milícias aliadas em breve poderiam controlar todo o Karenni, tornando-o o primeiro estado de Mianmar a se libertar do controle da junta, dizem analistas militares. Em uma série de ofensivas nacionais iniciadas no outono passado, insurgentes repeliram a junta de grandes áreas do norte, oeste e leste de Mianmar. Este mês, guerrilheiros capturaram uma importante cidade comercial na fronteira com a Tailândia. Naypyitaw, a capital de Mianmar construída pela junta como uma fortaleza defensiva, fica a menos de 150 milhas de Karenni.

Durante meio século de poder militar, várias forças rebeldes tentaram derrubar os generais. Todas falharam. Desta vez, diz a oposição, é diferente porque grande parte da maioria étnica Bamar do país encontrou união com minorias que vivem nas regiões de fronteira.

Os jovens que cresceram durante um período de abertura, quando Mianmar recebeu inovações estrangeiras como Facebook e KFC, se incomodam com o fato de a junta ter fechado novamente o país. Eles sabem quanto perderam com a volta dos generais à política interna e usaram as redes sociais para expor as atrocidades da junta: a prisão e tortura de milhares de civis, ataques aéreos a escolas e hospitais, o assassinato de crianças com tiros únicos na cabeça.

Ainda assim, não está certo se os insurgentes —sem mencionar os 214 mil funcionários do governo que ainda estão em greve como parte de uma campanha de desobediência civil— podem manter sua determinação por um quarto ano ou mais.

Em uma ala de emergência camuflada com redes e folhas, servida apenas por uma trilha na floresta, Linn Ni Zho cuidava dos feridos da guerra. As ferramentas de um hospital na selva a cercavam: serras para amputações, metros de gaze para feridas de bala e um gerador para alimentar as luzes da cirurgia.

O que você está lendo é [Rebeldes acumulam vitórias e ameaçam ditadura de Mianmar].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

Wonderful comments

    Login You can publish only after logging in...