Malafaia põe STF sob pressão de religião em investigações contra Bolsonaro

"Tocar em um líder religioso não é uma coisa fácil. A religião que eu sou representa 35% do povo brasileiro. Isso é um negócio muito gigante."

A mensagem dada pelo pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, em entrevista à youtuber Antonia Fontenelle no fim de fevereiro, revela uma das estratégias do aliado de Jair Bolsonaro (PL) para intimidar o STF (Supremo Tribunal Federal) nas investigações que envolvem o ex-presidente: fazer pressão blindado por seu status de líder religioso.

Depois de financiar manifestação na Paulista que admitiu ter sido planejada com essa finalidade, o pastor volta a protagonizar a organização de mais um ato a favor de Bolsonaro, desta vez em Copacabana, no Rio, neste domingo (21), e com a ameaça de subir o tom.

Para especialistas, a utilização da religião para pressionar a Justiça é sinal preocupante que testa a democracia. A estratégia anda lado a lado com a deslegitimação do STF sob o argumento de que "Supremo é o povo", pensamento expresso recorrentemente por Malafaia.

"Se você botar o povo na rua, eles vão pensar umas três vezes [antes de prendê-lo]. E, se isso acontecer, o negócio vai ser feio", disse Malafaia a Bolsonaro para convencer o político a promover a manifestação na Paulista, segundo relato feito pelo pastor em fevereiro.

A ideia, admitiu, era pressionar o STF em meio a contexto em que Bolsonaro havia sido intimado a falar sobre uma possível trama golpista para impedir a posse do presidente Lula (PT).

Na mesma entrevista, Malafaia creditou ao fato de ser líder religioso a chance de poder ter uma postura mais combativa junto ao Supremo.

Ataques ao ministro Alexandre de Moraes, que chama de ditador de toga, e a ideia de que o Judiciário deve observar a vontade do povo também estão presentes em seu discurso.

"O povo é o Supremo poder de uma nação. Nada é superior a nível de poder em uma nação do que o povo. Quando um povo se manifesta, se submeta o poder Judiciário, o Legislativo e o Executivo", afirmou.

Em outra entrevista no fim de março, desta vez para o canal Rádio+Brasil, Malafaia disse não ter medo de ser preso e ameaçou divulgar vídeos dele e de Bolsonaro em caso de prisão. "Tem um vídeo meu gravado na mão de algumas pessoas. Se me prenderem, amigo, a coisa vai ficar bonita ao contrário", afirmou. "Até Bolsonaro tem vídeos gravados. Se for preso, vai ser solto. Aí os caras vão ver o problema que eles vão arrumar."

Depois da repercussão, o pastor justificou que os vídeos aos quais fazia referência tinham a ver com sua autodefesa e não eram incentivo a "quebra-quebra, perseguição política ou golpe".

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De acordo com Sérgio Feldman, professor de história da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), a ideia de que o Judiciário deve observar a vontade do povo é antiga e foi marcadamente usada pelo fascismo e nazismo na Europa do século 20.

"Esse discurso já existia, mas foi retomado entre as tendências totalitárias do século 20 que surgiram no pós-Primeira Guerra", afirma. "Tendências autoritárias trabalhavam com propagandas para justificar os regimes. Nessas propagandas, elas assumiam estar no lugar do povo, representar o povo contra inimigos externos."

Para Luis Gustavo Teixeira, doutor em ciência politica com foco em laicidade estatal e professor da Unipampa (Universidade Federal do Pampa), as falas de Malafaia sobre o Supremo e a pressão que pode exercer como líder religioso exemplificam um pensamento que representa "clara violação da democracia".

"Grupos extremistas desconsideram o papel do Judiciário enquanto entidade cuja atribuição é impedir a violação dos direitos", diz.

"O que Malafaia pondera é: somos [evangélicos] muito em termos de densidade populacional e também temos um capital político enorme."

Entretanto, afirma Teixeira, é papel do Judiciário apreciar assuntos polêmicos que podem ir de encontro a valores consensuais no debate público.

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