Ainda dá tempo de fugir

Quando casei, dez anos atrás, fizemos uma cerimônia para marcar a ocasião. Nem eu nem meu marido somos religiosos, portanto, nos permitimos abrir mão de certas tradições em troca de criar um rito que melhor nos representasse. No lugar da igreja, optamos por um gramado à beira mar. No lugar do padre, escolhemos um grupo de amigos para proferir algumas palavras.

Ao olhar para as fotos que permanecem até hoje num pen drive, percebo que, uma década mais tarde, o evento envelheceu bem. Ainda gosto do vestido que usei, ainda escolheria a mesma decoração, e jamais me arrependi da decisão (aos 45 do segundo tempo) de gastar meus últimos centavos para contratar a banda do meu bloco de Carnaval de rua preferido.

Há uma única exceção a essa paz de espírito proveniente da sensação de olhar para trás e seguir confortável com as escolhas feitas no passado. Trata-se de uma placa carregada por um dos pajens que desfilou pelo corredor que levava ao altar minutos antes de mim. Nela lia-se o nome do noivo e a frase: "Ainda dá tempo de fugir".

Nem lembro de quem foi a sugestão de ter a placa como parte da cerimônia. Lembro que a ideia não veio nem de mim nem do noivo, mas prontamente aceitamos a piada como parte do conceito do casamento leve, desconstruidão. No dia da cerimônia, a escolha pareceu ter sido acertada. A placa cumpriu seu papel. De mãos dadas com meu pai, ainda escondida no ambiente que levava ao tal gramado, pude ouvir o riso dos convidados ao lerem a placa.

Por trás da piada estava, claro, essa ideia de que aliança é "bambolê de otário" (expressão que ouvi tantas vezes ao longo da vida), de que o homem é esse lobo solitário e que se casar vai contra a própria natureza masculina. Por trás da placa estava a mensagem subliminar de que aquela união seria de interesse apenas meu e que o noivo, coitado, estava lá à sua própria revelia.

O que você está lendo é [Ainda dá tempo de fugir].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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