Forças Armadas precisam eliminar restrições a mulheres, diz ex-ministra da Defesa de Portugal

Helena Carreiras, 58, teve sua competência questionada ao se tornar a primeira mulher da história de Portugal a assumir o comando do Ministério da Defesa enquanto um conflito estourava na Ucrânia, a pouco mais de 3.000 km de Lisboa.

"Foi uma observação elucidativa do preconceito que ainda existe [com mulheres no meio militar] e que não tem qualquer sentido", disse Carreiras em entrevista à Folha.

A professora catedrática do Instituto Universitário de Lisboa passou dois anos na chefia da Defesa até deixar a função no início de abril, com a formação de um novo governo em Portugal.

Uma das principais pesquisadoras sobre gênero nas Forças Armadas, Carreiras afirma que a entrada de mulheres combatentes nas fileiras militares ocorreu, em grande parte, por decisões políticas ou judiciais dos anos 1970 para cá.

"Organizações que não aceitam a diversidade, que são monolíticas, são instituições que vão definhar, que não vão entender e enfrentar os desafios da complexidade de tarefas que têm pela frente", diz.

No Brasil, o STF (Supremo Tribunal Federal) analisa três ações que pedem a retirada das últimas barreiras à entrada de mulheres em funções de combate nas Forças Armadas. O Exército disse ser contra a derrubada dos vetos sob o argumento de que "a fisiologia feminina, refletida na execução de tarefas específicas na zona de combate, pode comprometer o desempenho militar em operações".

As ações foram apresentadas pela Procuradoria-Geral da República no ano passado.

O direito às armas foi quase exclusivamente masculino durante um longo período da história. Como as mulheres entraram nesse meio?
As mulheres sempre combateram e sempre participaram, normalmente, em condições excepcionais. E essa participação foi invisibilizada na história das instituições militares e das guerras. São histórias em que aparecem homens, grandes líderes, mas as mulheres foram excluídas.

A plena integração das mulheres nas Forças Armadas acontece a partir da década de 1970 devido a um conjunto de transformações organizacionais de redução das Forças, alteração dos tradicionais exércitos de massa para formações mais especializadas, em que as forças militares passam a depender mais da sociedade para obter os seus recursos humanos.

A partir dessa altura, elas começaram a ser chamadas a entrar nas Forças Armadas e vieram a ocupar um conjunto crescente de funções, mas com ritmos muito variados e de forma muito diferente segundo os países e os contextos. O grau de democratização das sociedades, do ponto de vista das questões da igualdade, foram também pressionando politicamente as Forças a promover essa integração de mulheres na defesa, apressando o ritmo de incorporação.

Historicamente, foi importante uma intervenção civil, da política, para as mulheres terem acesso às armas?
Temos exemplos que mostram que foi preciso legislar e criar regulamentos que de alguma forma forcem essa abertura. Estou a lembrar-me do exemplo do Canadá, em 1999, quando um tribunal mandou que as forças criassem uma estrutura equitativa, com igualdade de oportunidades para homens e mulheres.

Na Alemanha foi a mesma situação: a abertura das armas combatentes às mulheres, de todas as especialidades, por via de um tribunal. Portanto, às vezes é necessário que a sociedade e as instâncias judiciais possam apressar essas situações que muitas vezes são, aliás, inconstitucionais em países democráticos.

O Exército Brasileiro afirmou ao STF que a fisiologia feminina pode "comprometer o desempenho militar". Por isso, permanece o veto a mulheres em armas combatentes. Como a senhora vê o argumento?
É um argumento usado desde o princípio dos tempos destes processos de integração de gênero nas forças militares. É um dos receios sempre invocados e, de alguma forma, ultrapassados pela realidade da integração de mulheres. Não apenas em especialidades de apoio das Forças Armadas, mas nas próprias armas combatentes.

No mundo, as mulheres têm desempenhado funções combatentes e o seu papel tem sido reconhecido, vencendo essas questões das diferenças fisiológicas, que evidentemente existem. A inteligência estratégica das organizações permite encontrar todo o tipo de soluções, quer para a transformação dos processos de trabalho, dos equipamentos, o ajuste das características individuais às funções que as pessoas têm de desempenhar.

Organizações que não aceitam a diversidade, que são monolíticas, são instituições que vão definhar, que não vão entender e enfrentar os desafios da complexidade de tarefas que têm pela frente. Esses argumentos parecem-me ancorados em receios antigos e tradicionais, que não dão conta de tudo o que já se avançou na maior parte dos países.

O que você está lendo é [Forças Armadas precisam eliminar restrições a mulheres, diz ex-ministra da Defesa de Portugal].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

Wonderful comments

    Login You can publish only after logging in...