Abrace, mas que seja por 20 segundos

Não lembro onde eu li que o tempo áureo de um abraço é de 20 segundos.

(((Se alguém souber, me conta. Hoje, só hoje, eu decidi não buscar no gugol)))

Mas eu lembro, fresca como uma rosa esplendo_rrrosa, a sensação, a inundação reconfortante de um abraço bem dado.

E recebido -- porque, pelo menos no meu manual, não existe abraço sem reciprocidade.

Primeiro eu contei essa história dos 20 segundos pro meu parceiro. E, um pouco por toque, um pouco porque o amor é minha droga, como canta o Bryan Ferry ou o Gustavo Galo na bella "Nosso amor é uma droga", parceria com Peri Pane, e um pouco porque dava menos trabalho que retrucar, ele topou.

Eu lembro que ele tava indo pro trabalho, já com a mochila nas costas e o olho na porta, e aquela pausa mais longa e deliberada que o distraído beijinho matinal lhe custou a alma, como se diz aqui nas Españam.

Traduzido em linguagem corporal, e tudo em nome da pseudociência, o que sucedeu a seguir foi:

a hesitação mútua, o estranhamento; o gesto mecânico de braços envolvendo o corpo alheio; primeiro um, depois o outro, frouxos; ali pelo segundo 6 (a gente tava contando em voz alta), pouco a pouco, começa a aflorar uma familiaridade, um calor, um bom humor, os braços se estreitam/ganham vida, os corpos se unificam, a gravidade da entrega forma uma árvore; na marca dos 15 segundos brota uma leve ansiedade, um risinho nervoso, chegamos aos 20 segundos e o desabraço custa um átimo de segundo, como nascer, como a letargia depois do despertador; nos entreolhamos; o dia segue -- um pouco diferente, um pouco mais cúmplice.

***
Depois, contei pra uma amiga.

Pensei que ela ia achar uma bobagem. Outro dia me escreveu: a gente está provando em casa. E tô ensinando pros meus filhos.

De repente, ô jornalista criminosa, me senti bem espalhando uma meia-informação, um filho bastardo de algo lido na internet e os meus adentros instintivos du bem.

Hoje de manhã, no lusco-fusco do quarto, quando meu parceiro, seguindo a liturgia de incontáveis manhãs, apoiou a mão na minha perna e eu busquei a testa dele com a minha (pra fazer o "download", como eu costumo dizer), algo naquela prosaica conexão em modo alfatheta me transmitiu mundos possíveis, ciclos naturais, o momento redentor da janela aberta e lufada de verão gozoso.

Vulgo o simples prazer de estar, o prazer e a calma , o simples gosto-gozo de se conectar, integrar, enfim, ce já vai entendendo por onde eu vou, que entender isso tudo nóis humanus e gatus entendemos, e isso é o bonito do abraço, esse encontro de familiaridades ancestrais.

Na penumbra do meu quarto nasceu essa crônica.

Da minha parte, nas minhas horas off vou continuar espalhando o boato dos 20 segundos - pra além de estudos, oxitocinas, serotoninas e endorfinas e outras inas (pensamento: eina, e-ina: ferramenta em catalão): a verdade indelével do abraço.

ps: isso porque eu não falei pra vcs do beijo de 6 segundos

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