Quem matou Libero Badaró

Todo mundo que mora em São Paulo conhece a rua Libero Badaró, no centro da cidade. Pois foi nela, quando ainda se chamava rua São José, que o jornalista, político e médico italiano que hoje a batiza foi morto covardemente com um tiro de bacamarte porque se opunha ao absolutismo de Dom Pedro 1º. Seu assassinato foi um atentado à liberdade de imprensa.

O crime aconteceu na noite de 20 de novembro de 1830 e abalou o império. Giovanni Battista Libero Badaró, formado em medicina na Universidade de Turim e professor de matemática e geometria, havia aderido às ideias liberais no Brasil e fundou um ano antes de morrer o jornal O Observador Constitucional, que criticava com contundência o regime vigente.

O Observador Constitucional foi o segundo jornal a circular na cidade. O primeiro se chamava O Farol Paulistano, editado pelo político José da Costa Carvalho, conhecido como Marquês de Monte Alegre, que emprestava sua gráfica para Badaró.

Entusiasmados com as ideias liberais propagadas pelo periódico de Badaró, que incentivava os brasileiros a seguir o exemplo dos franceses na Revolução dos Três Dias, que destronou Carlos 10º, um grupo de estudantes do Curso Jurídico, origem da faculdade de Direito do Largo São Francisco, começou a fazer campanha contra o regime.

As manifestações foram criminalizadas pelo ouvidor Cândido Ladislau Japiassú, que havia aberto uma ação contra O Farol Paulistano por abuso da liberdade de imprensa, e dessa vez decidiu processar os estudantes. Badaró, diante do que considerava uma grande injustiça, passou a atacar Japiassú, a quem chamou de "Caligulazinho".

A vingança não tardou. Quando chegava na sua casa na mesma rua São José, às 10 horas da noite do dia 20, Badaró foi vítima de uma emboscada. Foi cercado por quatro alemães que diziam querer lhe entregar uma carta contra o ouvidor e acabou fuzilado de forma traiçoeira, vindo a morrer na manhã do dia 21. Suas últimas palavras antes de sucumbir teriam sido: "Morre um liberal, mas não morre a liberdade"

Quem atirou foi um dos alemães chamado Stock, que fugiu da cena do crime e buscou refúgio na residência do ouvidor. A notícia do assassinato de Badaró causou comoção pública e estava claro que Japiassú havia sido o mandante. Exigia-se a prisão de ambos, mas só Stock acabou indo para a cadeia e depois condenado por assassinato.

Japiassú usou sua influência política para escapar da prisão. Primeiro pediu asilo para um coronel e depois conseguiu refúgio no Rio de Janeiro, enviado sob escolta pelo Conselho de Governo da Província. Com a tutela do padre Diogo Feijó, membro do Conselho, e a suposta proteção de Dom Pedro 1º, acabou inocentado, embora tenha sido sempre considerado o principal interessado no crime.

Seja como for, a morte de Badaró reforçou os ânimos dos liberais contra o imperador, dificultando ainda mais sua permanência no poder. O jornalista virou um símbolo da liberdade de imprensa e seu enterro teria reunido milhares de pessoas com centenas de tochas acesas em sinal de protesto.

O crime serviu também para aumentar a revolta contra o imperador e o sentimento antilusitano. Não por acaso, alguns meses depois do assassinato, no dia 13 de março de 1831, uma multidão ocupou as ruas do Rio de Janeiro para exigir o fim do reinado de Dom Pedro 1º, no episódio que ficou conhecido como A Noite das Garrafadas. Em 7 de abril de 1831, o imperador abdicou do trono e voltou para Portugal.

Embora se tenha notabilizado pelo ideário político e pelo combate ao absolutismo, Badaró era também um médico higienista. Uma de suas bandeiras foi a criação de cemitérios públicos, que ainda não existiam na cidade quando ele morreu.

O primeiro deles foi o Cemitério da Consolação, instalado em 1858. Foi para lá, justamente, que os restos mortais de Badaró foram levados assim que a nova necrópole começou a funcionar. Na sua lápide resiste a seguinte frase em italiano: "Alla mano del sicario all'ingiuria del tempo", algo como "Na mão do assassino para o insulto do tempo", numa tradução livre.

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