De costas para a posse, fila e alívio na cidadela lulista

Pintou um clima na manhã do último dia de 2022. A princípio tímido, na forma de um punhado de bonés e camisetas pouco comuns no saguão do aeroporto de Congonhas. Vermelho como cor predominante, sustentam siglas. MST, FNL, CPX, PT. Por uma única vez, convergem à direita, inflexão incontornável para a escada rolante de acesso ao voo G3-1414, destino Brasília.

Na cabine, o clima que se insinuava enfim se exibe com a chegada de um senhor alto de terno preto, alvo de tietagem. À presença de Eduardo Suplicy, deputado estadual eleito — como é possível que ele esteja em todo lugar? — começa a cantoria, se abrem os sinais de L. Pelos idos da fileira 7 alguém estende uma faixa com motivos florais. O que ela traz escrito resume o motivo da festa: "bem-vindo, Lula". A comissária de bordo insiste para que os passageiros permaneçam sentados.

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Sinais, fortes sinais. JBL a tiracolo, o senhor de chapéu coco recebe os turistas no desembarque do aeroporto de Brasília. Sua playlist é o suco coado da esquerda festiva: "Vai Passar", "Coração Leviano", "Asa Branca", "Anunciação". No Plano Piloto, a festança é esparsa. Sendo Brasília território hostil à esquerda — no DF, o 2° turno consagrou um 59-41 a favor de Bolsonaro —, as aglomerações petistas se concentram em pontos específicos.

Uma das mais concorridas, compreensivelmente, é a saída do Hotel Meliá 21. O circo armado pela imprensa atiça a militância a respeito de uma possível entrevista do presidente eleito. Na sua ausência, selfies com um sorridente repórter Júlio Mosquera. Globo e PT curtem, enfim, uma lua-de-mel em sua instável relação.

"Algum restaurante aberto por aqui?", pergunta o casal de meia-idade no deserto centro comercial entre as superquadras S203 e S204. Observo que está tudo fechado, mas talvez encontrassem aberto o McDonalds da Torre de TV. "Não temos coragem. Somos bolsonaristas e o adesivo não desgruda por nada do carro. Já tentamos tirar." Há de fato alguma hostilidade, mas no sentido contrário. O colunista, trajado de vermelho-cobertura, foi agraciado com um "vá chupar b*" de um motorista de sedã.

A cada um, a ceia que lhe cabe. Points petistas com Vanessa da Mata na antiga Funarte, Nação Zumbi no Gama e Fundo de Quintal na Praia dos Orixás. A festa dos artistas do festival Lula, na beira do lago em um salão "falso chique", na definição de um dos presentes, teve o megahit "Tá na hora do Jair" celebrado minutos antes da meia noite. Num apartamento funcional na SQS 104, um "chupa, desgraçado" substituiu o tradicional "feliz ano novo" no brinde com espumante rosé à zero hora de 2023. Ouvem-se fogos tímidos. Às duas da manhã, todos dormem.

Aos domingos, a pista expressa do Eixão, autopista que corta o Plano Piloto de uma ponta a outra, vira rua de lazer. No asfalto interditado a perder de vista, a vida corre e pedala alheia à atividade na Praça dos 3 Poderes. Concentrado nos setores hoteleiros próximos à Esplanada, o turismo militante é um mercado diversificado. O nível gold master contempla diárias hiperinflacionadas de 3 mil reais nos hotéis de luxo e nem tanto. A faixa classe média sofre, estabelecimentos econômicos e conhecidos pulgueiros. O militante raiz se concentrou nas milhares de barracas no estádio Mané Garrincha. Como o craque brasileiro diria, todo mundo viraria João na cerimônia de posse.

"Fila quilométrica". "Tá gigante, se encontrar água compra antes". "Três Poderes? Sem chance". Desde cedo na manhã, as mensagens de WhatsApp dimensionavam o mundaréu recorde. Os 40 mil lugares reservados em frente ao parlatório evaporaram. Começava-se a ocupar a Esplanada. A espera de pelo menos meia hora para entrar na área cercada prenunciava uma revista rigorosa que não houve. Fiscais testemunhavam placidamente a passagem dos militantes. "Não deixe o celular no bolso que é perigoso", aconselhou uma das seguranças.

Na alameda das barracas de alimentação em frente à Esplanada, eram duas e meia da tarde quando um certo burburinho começou. "Foi pontual", resignou-se alguém de olho no celular. Foi um flash. Com uma multidão de costas, a caminho da entrada do evento, o Rolls-Royce presidencial passou em direção ao Congresso Nacional.

Novos tempos, aposenta-se o cercadinho, apresenta-se o cercadaço. A opção para a grande maioria dos presentes foi acompanhar a solenidade por um dos oito telões na Esplanada. Água, cerveja e outras dádivas foram escassas para a demanda. A internet também. A venda de fichas era lenta por conta da conexão sobrecarregada. A chuva encomendada não atendeu ao convite da previsão do tempo, e os 25 graus no aplicativo pareciam mais falsos que uma live do Bolsonaro. Castigadas pelo calor, famílias com crianças e idosos desistiram antes do discurso de Lula no Senado e, depois, no Parlatório.

Quem ficou se emocionou. Um senhor calvo de barba vermelha com trancinhas une as mãos em ação de graça. Um quarentão corpulento soluça, seguido por duas senhoras na fileira de trás. "Tenho 70 anos, mas parece que voltei a ter 40", diz o professor universitário, presente nas posses de 2002 e 2010. "A sensação é de alívio. Há muito o que fazer."

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