'Só vemos reformas que não formam, deformam': Piedade encara o 'progresso'

"Tudo que vem de resposta enquanto política pública é no sentido de incentivar as pessoas a saírem dali, tirando toda essa tecnologia social, e não no sentido de criar condições para que as pessoas fiquem", diz a designer Juliana Lisboa, 35, do projeto Cidade Quintal, desenvolvido no morro da Piedade (ES). A iniciativa nasceu em 2016 a partir de parceria com o artista e arquiteto Renato Pontello, 38.

Durante a pandemia, além do temor da covid-19, o bairro da Piedade viveu um processo de evasão de moradores devido a brigas entre facções criminosas, resultando em mortes e incêndios de casas. Quem saiu tinha medo, e quem ficou também. Nesse período em que a Piedade aparecia com frequência no noticiário policial, profissionais externos se organizaram para auxiliar em questões sociais, como moradia. Entre os profissionais, estava, também, um grupo de artistas.

O projeto de Juliana, uma dessas artistas, aposta em reviver as memórias locais para reforçar a união dos moradores. Além de pessoas de fora, também participaram pedreiros do bairro, atuando em reparos nas casas antes de receberem a pintura.

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Juliana diz que, apesar dessas intervenções, há questões de infraestrutura que não deveriam depender de uma iniciativa assim, e, sim, serem feitas pelo poder público.

O morro

É uma geografia que há décadas o samba já cantou. "Eu moro naquelas montanhas, e as pedras são minhas vizinhas", diz o hino da primeira agremiação capixaba, nascida em 1955 no bairro que dá também nome à escola: Piedade. "Para os novos não têm significado, mas é porque quem morava acima era favelado, quem morava abaixo era tratado como cidadão", conta Sandra Reis, 52, benzedeira e moradora do bairro.

Localizada bem no centro de Vitória (ES), a Piedade - um território negro - é marcada tanto por expressões culturais afro-brasileiras e pela existência de muita natureza no seu entorno quanto pela exclusão de políticas públicas. "Aquelas montanhas" separam mundos, o que se reflete até na entrega de correspondência, com as casas lá do alto tendo que retirar as cartas em uma casa lá embaixo, cenário conhecido em outras periferias do país.

1 - Thais Goboo - Thais Goboo

Buscamos trazer para paisagem elementos que estão ali, naquele cotidiano, nas pessoas, nesse imaginário coletivo que muitas vezes não está nos livros de história, mas que são narrativas legítimas, estão ali na oralidade 💥️Juliana Lisboa, designer

Dali minha família nunca saiu

2 - Francisco Xavier - Francisco Xavier 3 - Francisco Xavier - Francisco Xavier

"Assim que se foi modernizando, esse avanço diminuiu nosso contato direto com a natureza, foi tirando aquilo que a gente achava que era nosso", diz a benzedeira.

A gente só está vendo reformas que não nos formam, nos deformam. 💥️Sandra Reis, benzedeira e moradora de Piedade

Sonhar e manter a história viva

4 - Francisco Xavier - Francisco Xavier Memorial Nascente às parteiras no bairro de Piedade, em Vitória (ES)

O projeto Ativar Piedade foi adaptado para uma apresentação em São Paulo, na 13ª Bienal de Arquitetura, onde pôde ser conhecido por meio de uma instalação com áudios, mapas, fotografias e ambiente imersivo no Centro Cultural São Paulo.

"Como assim, Piedade em São Paulo? O morro não pode sair daqui", ouviu das crianças Dona Sandra, ao retornar da capital paulista. Ela conta que só essa troca sobre a viagem e a dinâmica do projeto estimularam a imaginação, o sonho, que andava escasso.

Olhar para os pequenos, lembrando sempre dos mais velhos, é prática cotidiana na vida da moradora. "Porque a comunidade só é viva com a história de vida", diz ela.

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