O Oscar perdeu Marte Um: azar da academia

Foi com Tércia que passei a imaginar o que acontece a uma pessoa que torna-se personagem da risada dos outros, contra a sua vontade. Interpretada por Rejane Faria, a mulher está numa lanchonete quando participa de uma pegadinha, e isso mexe profundamente com a sua cabeça e o seu coração.

Essa é só uma das tantas e poderosas camadas que me emocionaram em 'Marte Um', filme brasileiro que brigava por uma indicação ao Oscar como melhor filme estrangeiro. Não briga mais. Na quarta-feira (21), a organização do evento atualizou a lista de concorrentes sem a produção mineira. Quem perdeu foi o Oscar.

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Lançado no começo de 2022, 'Marte Um' conta a história da família Martins, que vive na periferia de um Brasil que está levando ao poder um presidente de extrema direita. Por serem uma família negra de classe média baixa buscam entender o novo contexto em que irão mergulhar. E ao redor de tudo isso, as suas próprias vidas, seus caminhos e desafios.

O título do filme vem do sonho de Deivinho, o filho mais novo, de fazer parte da missão espacial que irá colonizar o planeta Marte. Para isso, sonha secretamente em ser um astrofísico, apesar de seu pai, Wellington, ter outros planos. Quer que o garoto seja jogador de futebol e mude a realidade da casa e de todo mundo por ali. Algo bem comum, só encostar nas peneiras.

Não sendo crítico de cinema, conto sobre o que me atravessou todas as vezes em que me dei de presente ver este filme. Sobre o desafio de uma maioria de nós, homens, em dizer o que estamos sentindo. Falta um olhar para dentro, falta vocabulário. Quando a filha Eunice resolve morar sozinha, Wellington fica 'arrodeando' com uma vontade de dizer que ela fará falta demais naquela casa, mas as palavras não saem. Ele resolve isso de outro jeito, sugiro prestar atenção a essa parte.

Ou em como a filha conta, sem contar diretamente, que o seu amar é diferente daquele dos pais, mas que continua sendo o mesmo poderoso amor, não importa. A família toda reunida na sala, na TV o clássico Cruzeiro e Atlético, a convidada de Eunice justo com a camisa do Galo mineiro, vibrando a cada lance, Wellington é Cruzeiro da cabeça aos pés. Consegue imaginar o que isso quer dizer em Minas Gerais?

O jeito potente e doce de Deivinho sonhar. Aquele olhar encantado pelo céu, por Marte. Aquela curiosidade maior que o mundo que a gente tem quando é criança, que em algum momento a gente troca por uma roupa de adulto: lógica, pragmatismo, horários e resultados. Os sonhos começam grandes e coloridos dentro da gente, mas poucos resistem aos 30 primeiros anos.

Todas as vezes em que o filme acabou nos cinemas, sai sonhando que Deivinho nunca desistiria. Que ele seria uma dessas pessoas que transcendem. Que algum dia, distraído, assistiria no Jornal Nacional a sua história. E lá pela metade da reportagem, cairia em mim, emocionado, que ele conseguiu, que ele vai mesmo para Marte. E com ele uma multidão de outros garotos e garotas que tiveram restaurado o seu direito ao sonho.

Aprendi com Luiz Rufino e Luis Antônio Simas, em A Flecha no Tempo, que o contrário da vida não é a morte, mas o desencanto. Que 'Marte Um' rode cada sala de aula do país, cada canto e cada Brasil - que vire símbolo poderoso desse novo tempo coletivo em que viveremos, um tempo para o encanto e para o sonho de novo. Que chegue em muitas mentes e corações, e chegará.

Obrigado Gabriel Martins e Filmes de Plástico. Como canta o Emicida: às vezes a gente perde o teto para ganhar as estrelas. Ou Marte.

O que você está lendo é [O Oscar perdeu Marte Um: azar da academia].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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