Comer hambúrguer ajuda o clima? Crédito de carbono vira truque sujo

Negócios para compensar emissões de gases-estufa com projetos de remoção ou evitamento de CO2 se tornaram um setor bilionário. No entanto, crescem as críticas quanto à eficácia e sentido do mecanismo.

Comer hambúrguer pode ser uma forma de combate às mudanças climáticas? A rede de fast-food sueca Max parece acreditar que sim: ela não só alega zero emissões líquidas de dióxido de carbono, mas rotula seus sanduíches, tradicionais ou vegetarianos, como "climaticamente positivos".

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A estratégia anunciada pela cadeia é compensar 110% de suas emissões carbônicas - 147 mil toneladas só em 2023 - sobretudo doando uma fração de seus lucros para o cultivo de árvores em Uganda.

A solução parece ideal. No entanto uma pesquisa publicada recentemente na revista Environmental Science & Policy questiona essa lógica. Pois comprando "créditos" de carbono, a Max não precisa realmente reduzir suas emissões a fim de cumprir as alegações de "zero líquido".

Na verdade, as emissões absolutas da rede de lanchonetes mais do que triplicaram entre 2007 e 2023, devido à inauguração de mais filiais e o consequente aumento de seu consumo de energia. A própria companhia admite que conta com um incremento continuado de seu impacto carbônico.

É tão fácil ser "climaticamente neutro"?

Na compra de créditos para "compensar" os danos ambientais que causam, as empresas prestam contribuições financeiras a projetos para redução do volume de gases do efeito estufa na atmosfera - como a plantação de árvores que capturam grande volume carbônico -, e em troca podem continuar poluindo.

Goiânia prevê meta ousada de plantar árvores de 90% das calçadas em dois anos; serviço é disponível em outras capitais - Mauro Junio/Divulgação - Mauro Junio/Divulgação movimentando 2 bilhões de dólares por ano, com a previsão de quintuplicar até o fim da década.

Além disso, desde a invenção do conceito, em 1987, alguns tratados climáticos internacionais, como Protocolo de Kyoto, permitem aos países industrializados utilizar créditos - de uma tonelada de CO2 cada um - para se manter dentro dos limites de emissão permissíveis.

Esse mercado, em que o gás é negociado para que se cumpram as regulamentações governamentais, é muito maior, em torno de 261 bilhões de dólares anuais.

Créditos carbônicos "podres"

No entanto, especialistas alertam que a maioria dos créditos do mercado voluntário não é eficaz.

Uma análise de dois jornais, o britânico The Guardian e o alemão Die Zeit, e o website investigativo SourceMaterial constatou que mais de 90% das compensações para florestas tropicais da certificadora Verra, a maior do mundo, provavelmente são "créditos-fantasma" - ou seja, não representam redução real dos gases-estufa. A companhia rechaça com veemência as conclusões da investigação.

Se uma companhia alega ser carbonicamente neutra, os consumidores pensam que ela não prejudica o meio ambiente, mas a realidade é que mudar o modelo de negócios custa tempo e dinheiro.

Alexandra Mihailescu Cichon, vice-presidente da empresa de pesquisa de dados Reprisk que analisa práticas corporativas ambientais, sociais e de governança

Para início de conversa, o custo dos créditos, partindo de 4,24 dólares por tonelada de CO2, costuma ser muito inferior ao custo para a companhia reduzir suas próprias emissões.

Além disso, a falta de regulamentação ainda resulta em padrões altamente erráticos no mercado.

Compensação carbônica na prática

Os projetos de compensação carbônica se dividem em duas categorias amplas: remoção e evitamento.

💥️Remoção: o carbono é retirado ativamente da atmosfera e sequestrado de modo permanente, por exemplo no cultivo de árvores ou por captura direta do ar.

💥Evitamento: impede-se a liberação de gases-estufa, por exemplo, protegendo árvores do abate. Como quando o setor de gestão de ativos do banco americano JP Morgan Chase comprou 250 mil acres de florestas por mais de 500 milhões de dólares, e pagou proprietários de bosques para não abaterem suas árvores, as quais assim seguem capturando carbono atmosférico. Por sua vez, a firma lucra com a geração de potenciais créditos de CO2 para seus clientes.

Fachada do prédio da JP Morgan, um dos maiores bancos do mundo - John Smith/VIEW press via Getty Images - John Smith/VIEW press via Getty Images Críticos acusam a JP Morgan de greenwashing, argumentando que, embora seja positivo as árvores não virarem madeira de corte, é complicado provar se e até que ponto isso resulta em remoção líquida de carbono na atmosfera.

No método de aferimento para certificação dos projetos de compensação denominado "adicionalidade", mede-se se o financiamento do crédito carbônico teve qualquer influência positiva sobre o clima. Outro teste é o de "permanência" da atividade.

Além disso, avalia-se o "vazamento" do projeto: se uma área florestal é salva da exploração, mas a pressão total para abater as árvores não se reduz, é possível que a demanda de desmatamento venha a ser redirecionada para outras florestas.

Perspectiva de regulamentação dos créditos de CO2

Observadores erguem esses e outros questionamentos pela suspeita de que o impacto carbônico das medidas de evitamento - do qual, de qualquer modo, só se pode fazer uma estimativa - esteja sendo grandemente exagerado por quem extrai lucros financeiros delas.

Por outro lado, é possível que em breve as alegações de compensação carbônica passem a ser submetidas a medidas de escrutínio mais rigorosas: a organização independente de governança Integrity Council for the Voluntary Carbon Market está definindo padrões para os compradores poderem separar o joio do trigo e evitar créditos carbônicos de baixa eficácia e credibilidade.

Se os 1.700 maiores emissores de gases-estufa compensassem anualmente apenas 10% de suas emissões através de investimentos na natureza, isso mitigaria quase 30 gigatoneladas de dióxido de carbono e mobilizaria até 1 trilhão de dólares em financiamento climático até 2030.

💥️We Mean Business Coalition, uma coalizão global de sete ONGs climática

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