Quem não tem Rio corre no Butantã

Por conta talvez da expertise em entretenimento dos organizadores, os integrantes da família Medina, do Rock in Rio, e de seus colaboradores, a maratona do Rio tornou-se o grande evento de live marketing do esporte amador brasileiro.

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Há ali lançamentos de tênis, uso agressivo de mídia out of home por toda cidade, mobilização do setor hoteleiro. Correr a mara do Rio é, como gostam de dizer os profissionais de marketing, uma experiência.

Eu a vivi em 2017, com direito a passagem aérea e estadia em hotel marromeno em Copacabana bancadas por um patrocinador do evento.

Também tive direito a metrô fechado no horário da maratona, pois, estranhamente, o metrô carioca só começa a funcionar aos domingos às 7 da manhã. E a largada, naquela época, era ainda no Recreio, uns 200 quilômetros a oeste do Cristo.

(A circunstância me levou a conhecer a Estrada Velha da Gávea e parte da Rocinha em ônibus urbano ao amanhecer, o que, sem ironia, enriqueceu muito a experiência.)

A mara de 2024 é em 2 de junho, no embalo do feriadão de Corpus Christi, mas agora só restam vagas de pacote, casadas com hospedagem "C-Level" e kit entregue no hotel, por cerca de R$ 2.600.

Sim, já foi mais barato. O segundo lote de inscrições, por exemplo, custava R$ 249. O primeiro não conta: durou menos de um dia.

No Brasil, cobrar caro é "default" e, no caso das corridas, o valor final parece ser imune a incentivos, lobby pesado pela manutenção do Perse (o programa federal excepcional de benefícios tributários para o setor de eventos) e entrada de patrocinadores.

A SP City, a maratona de São Paulo, da Iguana, em 28 de julho, melhor experiência paulistana, está nesta semana em promoção: R$ 219,90.

Com tudo isso, no mesmo dia da mara dos Medina, o cubano Tomas Cabrera arma a segunda edição de sua meia do Butantã, na Zona Oeste de São Paulo.

Cabrera, que tem uma pequena academia de boxe no Rio Pequeno, em São Paulo, um dia ousou organizar uma corrida. É algo que quase ninguém se aventura, dadas as proverbiais dificuldades de entrar em negócio que é, ou tem sido, para bem poucos.

Há que pagar por bloqueio de ruas, contratar boa quantidade de pessoas para o evento e, mais complicado, correr atrás de patrocinadores, algo duríssimo para quem não é da rodinha.

Maverick, Cabrera fez isso em 2023, na raça. No dia em que eu o conheci, semanas antes da prova, sua filha visitava a 25 de Março para encontrar a camiseta mais barata possível a enfeitar o kit. Na véspera da corrida, ficou sabendo que a USP lhe cobraria R$ 7.000 para bloquear a avenida da raia.

Ele não tinha o pixo e mudou, a um dia do evento, o itinerário.

O mais louco é que pouquíssima gente reclamou. Talvez ninguém tenha reclamado.

Para a corrida de 2024, o valor do segundo lote é R$ 105. Desta vez ele garante a USP e inscrições para a maratona de Havana, em Cuba, para os vencedores masculino e feminino de sua meia do Butantã.

Sua história foi contada por esta Folha, aqui.

Organizar uma maratona, meia ou "full", não deveria ser uma epopeia comercial. Uma das maratonas de Boston, a do rio Charles, que vale inclusive índice para a mais concorrida maratona do mundo –a outra de Boston, em abril–, ocorre sem qualquer estardalhaço, num circuito restrito em torno do rio que separa Boston da vizinha Cambridge.

As duas cidades não bloqueiam ruas, e as vagas de estacionamento são as mesmas do parque contíguo que serve de base para o evento.

Por fim, há meia dúzia de gatos-pingados na organização e nenhum corredor parece preocupado com a ausência de um DJ ou de um locutor falando platitudes e embalando contagem regressiva antes da largada.

O que você está lendo é [Quem não tem Rio corre no Butantã].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

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