Situação em Gaza hoje é muito pior do que no apartheid, diz chanceler da África do Sul

A ministra das Relações Exteriores da África do Sul, Naledi Pandor, 70, diz em entrevista à 💥️Folha que os recentes ataques israelenses em Gaza criaram uma situação muito pior do que o apartheid —regime de segregação racial sul-africano que vigorou entre 1948 e 1994.

"As ações recentes de hostilidade, a matança e a destruição de propriedade são, na nossa visão, muito piores do que nós vivenciamos [no apartheid]", afirmou Pandor, que realizou nesta semana visita de dois dias a Brasília.

A África do Sul é uma das mais vocais críticas de Israel, tendo apresentado uma denúncia na Corte Internacional de Justiça em Haia que acusa Tel Aviv de cometer genocídio em Gaza. O governo Lula (PT) apoiou a iniciativa sul-africana.

Entre as medidas iniciais adotadas no final de janeiro, o tribunal entendeu que tem poder para julgar Israel, mas frustrou palestinos ao não proferir uma ordem de cessar-fogo imediato. O órgão não deve se pronunciar sobre o mérito das acusações de genocídio tão cedo, uma vez que um julgamento sobre o tema pode se arrastar por anos. O governo israelense de Binyamin Netanyahu classifica a denúncia de genocídio em Haia de "ultrajante".

Perguntada sobre a comparação feita por Lula entre a ação israelense e o Holocausto, Pandor respondeu que jamais criticaria o petista.

A chanceler sul-africana cumpriu em Brasília uma agenda que reflete a proximidade política entre os dois governos: na segunda (22) deu uma aula para alunos diplomatas no Instituto Rio Branco, participou de um jantar na embaixada da Palestina; no dia seguinte, realizou reuniões no Itamaraty e foi recebida por Lula no Planalto.

💥️Uma das acusações feitas ao governo de Israel é a de que o país pratica apartheid em relação aos palestinos. Quais semelhanças a sra. aponta?
Está claro que há muitas semelhanças com a forma como as pessoas negras foram tratadas na África do Sul durante o apartheid. É por isso que hoje muitas pessoas falam de um apartheid em Israel. A prática de separação e confinamento de um grupo de pessoas a um território específico; a exigência de autorizações, de não poder mover-se entre uma área e outra sem se submeter a controles de identificação por forças de segurança… nós tivemos todas essas experiências sob o apartheid, inclusive a mais significativa: a desapropriação de terras sem compensação. Então há muitas práticas que imitam o que a África do Sul viveu durante o apartheid.

Há aspectos que são muito similares. Em certo grau, diante da violência em Gaza, como sul-africanos, sentimos que isso vai além do que nós vivenciamos [no apartheid]. Claro que nós tivemos assassinato, tortura, mas nunca tivemos a destruição indiscriminada de uma comunidade, a intenção de causar fome, a intenção de negar água e energia. As ações recentes de hostilidade, a matança e a destruição de propriedade são, na nossa visão, muito piores do que nós vivenciamos [no apartheid].

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💥️Mas e o direito de autodefesa de Israel?
Não entendo como você se defende contra a população que está sob sua ocupação. Pessoas sem controle de forças de segurança, acesso a armas ou garantia de liberdade. Como você se defende contra pessoas indefesas? O país que realiza uma ocupação tem a responsabilidade de proteger aqueles que estão sob sua ocupação. Elas [as pessoas que vivem no território] não se convertem em inimigo como resultado da ocupação. Se existem organizações hostis contra o povo de Israel, claro que Israel tem o direito de se defender contra elas. Mas o palestino civil não é um agente hostil contra Israel.

💥️Israel não tem direito de se defender do Hamas?
Se existe um ataque contra a sua população, você precisa usar seu serviço de inteligência para ter certeza que vai atingir aqueles que são realmente os responsáveis pelo ataque. Não uma criança de 13 anos, uma menina de 9 ou um recém-nascido. Eles não podem ser chamados de Hamas. Quando você olha para a natureza da resposta, ela tem sido muito além do ataque cometido pelo Hamas [em outubro de 2023, quando cerca de 1.200 israelenses foram mortos].

💥️Há uma iniciativa bipartidária no Congresso dos EUA para pressionar o governo Biden a rever radicalmente sua relação com a África do Sul, entre outras razões pela forte oposição sul-africana a Israel. O mesmo projeto acusa seu governo de ter laços com o Hamas. A posição em relação a Gaza coloca em risco o interesse nacional sul-africano, ao ameaçar as relações com a principal economia do mundo?
Espero que não estejamos ameaçando nossa relação [com os EUA] porque ela é importante para nós. Não temos laços com o Hamas. Há muitas imprecisões nesse projeto, que alega todo tipo de relações só para manchar a imagem da África do Sul.

Uma das lições que normalmente as chamadas grandes potências transmitem aos africanos é que precisamos respeitar a democracia e os direitos humanos. Mas quando defendemos esses valores, repentinamente nos acusam de estarmos associados com organizações terroristas. Não conseguimos entender: por que é aceitável o povo palestino não desfrutar de liberdade enquanto outros valorizam a liberdade de forma tão forte? Espero que nossa posição em defesa da liberdade não afete nossas oportunidades econômicas. Porque isso significaria que não podemos praticar direitos humanos, que deveríamos adotar outra rota. Acho que não gostaríamos de ir nessa direção. Somos um país que ama a liberdade, a paz e que acredita que todos os seres humanos são iguais —e igualmente merecedores de direitos humanos.

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