Grandes empresas deixam a desejar em promessa de resolver problema do lixo plástico

A Nestlé promete que, até 2025, não usará em seus produtos nenhum plástico que não seja reciclável. A L'Oréal garante que, até esse mesmo ano, todas as suas embalagens serão "retornáveis, reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis". E a Procter & Gamble assegura que vai reduzir pela metade o uso de resina plástica virgem à base de petróleo até 2030.

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Para isso, essas e outras empresas estão promovendo uma nova geração de usinas de reciclagem "avançada" ou "química", que prometem reciclar muito mais produtos do que a capacidade atual.

Até o momento, a reciclagem avançada está com dificuldades para cumprir suas promessas. No entanto, a nova tecnologia está sendo tratada pelo setor de plásticos como uma solução para o crescente problema global dos resíduos.

A abordagem tradicional da reciclagem consiste em simplesmente triturar e derreter os resíduos plásticos. Os novos operadores de reciclagem avançada afirmam que podem decompor o plástico com muito mais profundidade, em unidades moleculares mais básicas, e transformá-lo em um novo plástico.

A PureCycle Technologies, empresa com grande destaque nos compromissos de plásticos da Nestlé, da L'Oréal e da Procter & Gamble, administra uma dessas instalações: uma usina de US$ 500 milhões em Ironton, no estado americano de Ohio.

Originalmente, as operações deveriam começar em 2023, com a capacidade diária de processar até 182 toneladas de polipropileno descartado, plástico difícil de reciclar, usado amplamente em copos de uso único, potes de iogurte, cápsulas de café e fibras têxteis.

Mas os últimos meses da PureCycle foram repletos de contratempos: problemas técnicos na usina, ações judiciais movidas por acionistas, questionamentos sobre a tecnologia e um relatório surpreendente de investidores contrários que ganham dinheiro quando o preço das ações cai. Segundo eles, imagens captadas por um drone que sobrevoou as instalações mostraram que a usina estava longe de ser capaz de produzir grandes quantidades de plástico novo.

A PureCycle, sediada em Orlando, na Flórida, declarou que continua no caminho certo. "Estamos aumentando a produção. Acreditamos nessa tecnologia, já vimos que ela funciona e estamos dando passos largos e rápidos", disse seu CEO, Dustin Olson, durante uma recente visita às instalações, compostas por uma constelação de tubos, tanques de armazenamento e torres de resfriamento em Ironton, perto do rio Ohio.

A Nestlé, a Procter & Gamble e a L'Oréal também expressaram confiança na PureCycle.

A L'Oréal a classificou como um dos muitos parceiros que estão desenvolvendo uma série de tecnologias de reciclagem. A P&G afirmou que espera usar o plástico reciclado para "inúmeras aplicações de embalagem à medida que a produção for aumentando". A Nestlé não respondeu aos pedidos de comentário, mas anunciou que está colaborando com a PureCycle em "tecnologias inovadoras de reciclagem".

Os problemas da PureCycle exemplificam os desafios mais amplos enfrentados por uma nova geração de usinas de reciclagem que vêm lutando para acompanhar a crescente onda de produção global de plástico, que, de acordo com cientistas, pode quase quadruplicar até meados do século.

Uma unidade de reciclagem de produtos químicos em Tigard, no Oregon, parceria entre a Agilyx e a Americas Styrenics, está em processo de fechamento depois de sofrer perdas de milhões de dólares. Uma usina em Ashley, Indiana, cuja meta era reciclar cem mil toneladas de plástico por ano até 2023, processou apenas 2.000 toneladas até o fim de 2023, depois de incêndios, derramamentos de óleo e reclamações relacionadas à segurança dos trabalhadores.

Ao mesmo tempo, muitas das instalações de reciclagem da nova geração estão transformando plástico em combustível, algo que a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) não considera como reciclagem, embora grupos do setor defendam que parte desse combustível pode ser transformado em plástico novo.

De modo geral, as usinas de reciclagem avançada estão lutando para dar conta de aproximadamente 36 milhões de toneladas de plástico que os americanos descartam por ano, mais do que qualquer outro país.

Mesmo que as dez usinas de reciclagem química remanescentes nos EUA operassem com capacidade total, processariam cerca de 456 mil toneladas de resíduos plásticos, segundo avaliação recente da Beyond Plastics, grupo sem fins lucrativos que defende controles mais rígidos na produção de plásticos. Isso seria suficiente para aumentar a taxa de reciclagem de plástico em apenas um ponto percentual —há décadas ela se mantém abaixo de 10%.

Para os consumidores, isso significa que grande parte do plástico que destinam à reciclagem não chega a ser processado, mas acaba em aterros sanitários. Atualmente, descobrir quais plásticos são recicláveis e quais não são é, essencialmente, um jogo de adivinhação. Essa confusão fez com que um fluxo de lixo não reciclável contaminasse o processo de reciclagem, obstruindo o sistema.

"O setor está tentando nos convencer de que tem uma solução, mas o que ele tem é uma não solução", afirmou Terrence J. Collins, professor de química e ciência da sustentabilidade na Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh.

'Máquina de lavar molecular'

Em junho do ano passado, houve um dia muito aguardado nas instalações da PureCycle em Ironton: a empresa tinha acabado de produzir seu primeiro lote do que descreve como partículas de polipropileno reciclado "ultrapuro".

Esse marco chegou com vários anos de atraso e com mais de US$ 350 milhões em custos excedentes. Ainda assim, a empresa parecia ter finalmente conseguido. "Ninguém mais tem permissão para fazer isso", disse Jeff Kramer, gerente da usina, a uma equipe de notícias local.

A PureCycle conseguiu isso patenteando um método revolucionário, desenvolvido por pesquisadores da Procter & Gamble em meados da década de 2010, mas não comprovado em grande escala, que usa solvente para dissolver e purificar o plástico e torná-lo novo.

"É como uma máquina de lavar molecular", comparou Olson.

Há um motivo pelo qual a Procter & Gamble, a Nestlé e a L'Oréal, algumas das maiores usuárias de plástico do mundo, estão entusiasmadas com a tecnologia. Muitos de seus produtos são feitos de polipropileno, plástico que transformam em uma infinidade de produtos por meio de corantes e aditivos. A P&G afirmou usar mais polipropileno do que qualquer outro plástico, mais de meio milhão de toneladas por ano. Mas esses aditivos dificultam a reciclagem do polipropileno.

A Agência de Proteção Ambiental americana estima que 2,7% das embalagens de polipropileno sejam reprocessadas. Mas a PureCycle estava prometendo remover as cores, os odores e os contaminantes de todo e qualquer polipropileno, como copos de cerveja descartáveis, para-choques de carros e até mesmo placas de campanhas publicitárias, para transformá-lo em plástico novo.

Logo depois do evento de junho, surgiram os problemas. Em 13 de setembro, a PureCycle divulgou que sua usina havia sofrido uma queda de energia no mês anterior, interrompendo as operações e causando a falha de uma vedação essencial. A empresa informou aos credores que não conseguiria cumprir seus principais prazos.

Então, em novembro, a Bleecker Street Research —empresa de vendas a descoberto sediada em Nova York, estratégia de investimento que envolve apostar que o preço das ações de uma empresa vai cair no futuro— publicou um relatório afirmando que as partículas brancas provenientes da linha da PureCycle em junho não eram recicladas a partir de resíduos plásticos.

A Bleecker Street Research alegou que a empresa havia simplesmente passado polipropileno virgem pelo sistema, apenas como uma demonstração.

Olson alegou que a PureCycle não usou resíduos de consumo na operação de junho de 2023, mas também não usou plástico virgem. Em vez disso, foi usada uma sucata conhecida como "pós-industrial", que é o que sobra do processo de fabricação e que, não fosse isso, iria para um aterro sanitário, segundo ele.

A Bleecker Street também afirmou que seus drones equipados com sensores de calor sobrevoaram o local e encontraram poucos sinais de atividade em escala comercial. A empresa ainda levantou questões sobre o solvente que a PureCycle estaria usando para degradar o plástico, chamando-o de "uma mistura assustadora", difícil de lidar.

A PureCycle agora está sendo processada por outros investidores, que acusam a empresa de fazer declarações falsas e esconder seus contratempos dos investidores.

Olson se recusou a descrever o solvente. Os registros regulatórios analisados pelo The New York Times indicam que se trata de butano, gás altamente inflamável, armazenado sob pressão.

O registro da empresa descreve os riscos de explosão, citando o "pior cenário", que poderia causar queimaduras de segundo grau a 800 metros de distância, e explica que, para mitigar o risco, a fábrica foi equipada com aspersores de água, detectores de gás e alarmes.

A busca pela 'economia circular'

Naturalmente, não é incomum que uma nova tecnologia ou instalação enfrente problemas. O setor de plásticos afirma que esses projetos, uma vez iniciados, farão com que o mundo se aproxime de uma economia "circular", em que as coisas são reutilizadas várias vezes.

Os grupos de lobby do setor de plásticos estão apoiando a reciclagem química. Em audiência em Nova York no fim do ano passado, lobistas do setor apontaram para a promessa de reciclagem avançada ao se oporem a um projeto de lei de redução de embalagens que acabaria por exigir uma redução de 50% nas embalagens plásticas.

E, nas negociações para um tratado global sobre plásticos —cuja nova etapa de reuniões ocorre nesta semana no Canadá—, esses grupos de lobby estão pedindo às nações que considerem a expansão da reciclagem química em vez de tomar medidas como restringir a produção de plástico ou proibir sacolas plásticas.

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