Muito barulho por (quase) nada

A decisão de afrouxar as metas fiscais para 2025 e anos seguintes desencadeou turbulências no mercado. Economistas denunciaram o fim da "responsabilidade fiscal". Indicadores financeiros pioraram.
Faz sentido? Tomando de empréstimo o título de uma comédia de Shakespeare, diria que é muito barulho por nada —ou quase nada.

Os alertas principais dos críticos não são convincentes. Por falta de espaço, vou tratar apenas de alguns aspectos do problema, em especial de duas perguntas: 1 - Haverá, como se alega, aumento dos juros de longo prazo, com impacto recessivo?; e 2 - As novas metas trazem risco de crescimento insustentável da dívida?

A primeira pergunta aponta para um efeito persistente das novas metas de déficit primário sobre as taxas de juro, com efeito recessivo. Supõe-se que a menor ambição da política fiscal gera desconfiança dos credores privados e aumenta os juros pagos pelo governo para prazos mais longos. Isso contamina o custo do crédito para investimento e consumo de duráveis, além de causar apreciação cambial (com efeito negativo sobre as exportações). Paradoxalmente, a expansão fiscal seria "contracionista".

Esse argumento pode parecer plausível, mas é baseado em conjecturas frágeis. Não se sabe se o efeito sobre os juros longos é duradouro ou momentâneo e se, sendo duradouro, pode ser visto como significativo. Tampouco se sabe qual seria exatamente a dimensão do efeito dos juros sobre a demanda interna e o câmbio. Na prática, como há capacidade ociosa, o impacto expansivo da política fiscal, via demanda agregada, tende a prevalecer sobre os impactos recessivos via juros e câmbio. O paradoxo é instigante, mas falso. A expansão fiscal é mesmo expansionista, não contracionista.

Uma ressalva, porém. Se o Banco Central sancionar expectativas pessimistas, sinalizando uma política monetária mais dura, a curva de juros se deslocará para cima. Seria um caso de percepções autorrealizadas. O conservadorismo do BC reforçaria o conservadorismo do mercado financeiro, e vice-versa. Pode acontecer? Se depender do presidente do BC, não há dúvida que sim. Só que o Copom, onde se tomam as decisões relevantes, conta hoje com quatro integrantes indicados pelo governo Lula, o que parece mudar o quadro.

De todo modo, o essencial é reconhecer que as expectativas não se baseiam apenas em "fatos" e argumentos lógicos, mas refletem também convenções e instintos de manada. As previsões de um agente econômico são formuladas sempre com um olho nas previsões do vizinho. A sua dispersão tende a ser menor do que seria se os economistas e consultores fossem trancados em salas separadas, sem acesso a seus pares. E, em qualquer momento, o BC e o Tesouro têm influência decisiva sobre a formação das expectativas.

Seja como for, caberia o receio de que o crescimento da dívida possa se tornar insustentável em razão das novas metas? É óbvio que elas acarretam "ceteris paribus", um aumento da dívida governamental. Além disso, "ceteris non paribus": um possível aumento do custo da dívida seria um fator adicional de expansão do endividamento.

O que você está lendo é [Muito barulho por (quase) nada].Se você quiser saber mais detalhes, leia outros artigos deste site.

Wonderful comments

    Login You can publish only after logging in...