As injustiças climáticas atingem as mulheres negras e periféricas

A ideia, propagada durante a pandemia de covid-19, de que "não estamos todos no mesmo barco" se aplica perfeitamente à noção daquilo que advogamos enquanto justiça climática. Alguns de nós têm barcos pequenos, outros têm barcos furados; sem remo ou apoio. Outros se quer têm como flutuar.

Não podemos nos esquecer da recente tragédia vivida por centenas de famílias que foram desalojadas e desabrigadas e perderam 65 entes queridos no Litoral Norte de São Paulo, durante o Carnaval. Onde essas mulheres, homens, crianças e adolescentes moravam? Nas encostas dos morros, lugares de riscos de deslizamentos e alagamentos, onde, quando se chove muito, "se perde tudo" - uma gravíssima violação do direito à vida e à moradia adequada.

1 - Ricardo Borges/ysoke - Ricardo Borges/UOL

É urgente reconhecermos que estas mulheres negras, indígenas, faveladas, periféricas, quilombolas, caiçaras e tantas outras, já estão em ação. Agindo sem o devido suporte de políticas públicas e mesmo do restante da sociedade. Quando as sirenes tocam, são elas que correm para proteger as vida das crianças, idosos e demais integrantes de sua comunidade. São elas que se desdobram para garantir a subsistência de muitos, quando a precariedade chega ao limite. Muitas delas perdem a vida e deixam imensas lacunas na vida dos seus familiares e também de seus territórios de vizinhança e afinidade. As que sobrevivem trabalham no limite do possível para a superação do trauma e para que a vida possa seguir seus curso com tão poucos recursos. Já passa da hora da sociedade e dos governos agirem junto com elas, ao lado delas, garantindo o que lhes é de direito!

💥️Elas têm muito a dizer, propor e agir. Por isso, a Anistia Internacional Brasil lançou no dia 3 de março de 2023 o projeto "Vozes Negras pelo Clima" que já se apresenta no debate e na ação como algo inovador: queremos ser uma plataforma para ampliar as vozes de mulheres negras diretamente implicadas na crise climática. Acreditarmos que as mulheres negras devem ocupar os principais espaços de debate de ideias, propostas e tomada de decisão. Suas vivências, histórias e propostas precisam estar presentes nas respostas à crise climática e ao racismo ambiental. Para que as que dizem "As sirenes são enlouquecedoras"; "A crise climática tem cor, gênero e endereço" ou mesmo "As mulheres carregam a crise climática nas costas" sejam ouvidas por mais gente e possam provocar transformações efetivas.

Parceiras nesta trajetória, nós da Anistia Internacional Brasil nos juntamos a onze mulheres negras, lideranças em seus territórios, oriundas de diferentes regiões do Brasil, para ocuparem espaços onde têm estado ausentes e onde poucos chamavam por elas. Serão elas a urgência de considerar as histórias cotidianas e os atravessamentos das desigualdades de raça e gênero nesta agenda global.

Assim, o projeto Vozes Negras pelo Clima inicia neste mês de março, que marca as lutas das mulheres no mundo todo por justiça e igualdade, o ciclo de encontros de compartilhamento de conhecimentos e informações entre todas as participantes, que nos levarão ao maior evento de discussão climática do mundo: a Conferência das Partes (COP) da Organização das Unidas e a outros espaços de debates e decisões.

Nas palavras de uma das participantes, este será um processo que permitirá fortalecer nossas redes de ações, destacando a conexão de mulheres negras, e a "importância de se organizarem para que tenham suas vozes amplificadas e maiores condições de incidência". Por que seguir unidas é seguir atentas, dispondo de energia e de atenção para continuidade das mobilizações que queremos num amanhã não tão distante e que começa agora.

Mais do que nunca, essas são vozes precisam ser ouvidas, compartilhando com demais seguimentos da sociedade e com governos do Brasil e do mundo sua experiências como exemplos passíveis de multiplicação. Caso contrário, as soluções serão inadequadas e insuficientes, sem oferecer a estas mulheres e suas comunidades - e ao país - chances reais de mudar as realidades apresentadas.

Hoje e sempre, mulheres negras, indígenas e quilombolas à frente. E como solução.

💥️Jurema Pinto Werneck é ativista feminista, médica, comunicóloga e diretora-executiva da Anistia Internacional.

💥️Lídia Lins é advogada, ativista dos direitos humanos, coordenadora do coletivo Ibura Mais Cultura, articuladora social e educadora popular.

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