Primeira Constituição, outorgada há 200 anos, lançou as bases do Estado brasileiro independente

No dia 25 de março, há 200 anos, o Brasil ganhava a sua primeira Constituição. Outorgada por d. Pedro 1º, isto é, imposta por ele, a Carta serviu como uma das bases do nascente Estado brasileiro independente e, com seus 65 anos de vigência, até hoje é o texto constitucional que mais tempo perdurou.

A Constituição, redigida a portas fechadas por um Conselho de Estado em vez de uma Assembleia Constituinte, procurou preservar a legitimidade do imperador e citou, mesmo que indiretamente, a existência da escravidão.

O primeiro texto constitucional do país viria apenas após uma primeira tentativa frustrada em 1823. D. Pedro 1º decidiu encerrar, em novembro, a Assembleia Constituinte daquele ano, e a Carta planejada pelos deputados morreu antes mesmo de nascer.

O movimento de fechar uma Câmara de representantes eleitos foi uma aposta na própria legitimidade do imperador, como explica Andréa Slemian, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em Independência do Brasil e formação do Estado.

A historiadora aponta que a Constituição de 1824 foi uma maneira de d. Pedro estabelecer seu papel dentro do Estado brasileiro que surgia. À época, havia inclusive a discussão se a existência do monarca seria anterior à ideia de nação brasileira, em continuidade à Coroa portuguesa. Logo no artigo 4, fica dito que d. Pedro é o imperador e "defensor perpétuo do Brasil".

Na prática, ele possui a prerrogativa de nomear e destituir ministros, dissolver a Câmara, nomear bispos e conceder anistia. A sua pessoa é "inviolável e sagrada" e não está sujeita a "responsabilidade alguma", de acordo com o artigo 99.

A destituição da Constituinte de 1823 foi uma forma do imperador "garantir a preponderância da Coroa na ordem constitucional", diz Marcos Queiroz, professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa). "Mas havia também, especialmente a partir de setembro de 1823, uma discussão muito grande sobre a cidadania e esse medo de que o espaço público discutindo cidadania aquecesse os espíritos populares."

Parte do esforço dos redatores da primeira Carta brasileira, então, foi em lidar com a carga das ideias iluministas e constitucionais da época, mas mantendo muitas das instituições nacionais intactas. "Por parte daqueles que dominam o poder político e econômico, havia um grande medo de que essas ideias ‘contaminassem’ —como falavam na época— os setores populares" e, especialmente, chegassem às senzalas, diz Queiroz.

O projeto de 1823 definia que todos os "libertos" (ou seja, as pessoas escravizadas que haviam sido alforriadas) seriam cidadãos brasileiros. Já o texto outorgado em 1824 restringia a cidadania aos "libertos" nascidos no Brasil.

"A Carta, de alguma forma, legitima a própria escravidão, porque existem outros libertos que não são os que nasceram no Brasil", afirma Slemian. Ou seja, o tráfico, a entrada de africanos no país, mesmo que a contrapelo, está contemplada no texto como uma continuidade da escravidão, diz a historiadora.

A Constituição, lembra a professora, trata de estabelecer direitos a um "cidadão abstrato", "um direito universal baseado num direito natural que hoje a gente sabe que no fundo era bastante excludente e discriminatório".

Na prática, grandes contingentes populacionais não tinham os mesmos direitos políticos, explica ela, e precisavam lutar pela própria cidadania. "Vai fazer parte das disputas, da luta política ao longo do século 19, a luta por ser considerado cidadão, ou seja, titular, sujeito de direitos."

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