Por que reunião de Lula e Petro é tentativa de fazer frente a bukelização na América Latina

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encontra-se nesta quarta-feira (17) com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, em Bogotá. Em comum, os dois foram os primeiros presidentes de esquerda dos seus respectivos países, embora com quase 20 anos de diferença, Lula em 2003 e Petro em 2022.

Mas, em vez de um mero encontro entre dois líderes do mesmo campo político, a reunião acontecerá com o pano de fundo do que ambos veem como uma ameaça: o avanço da chamada direita radical na América Latina.

Lula chega à Colômbia na noite desta terça-feira (16). Na quarta, ele participa de uma reunião bilateral com Petro, de um fórum empresarial e da abertura da Feira do Livro de Bogotá. O Brasil é o país convidado do evento.

Oficialmente, os dois presidentes vão conversar sobre possíveis acordos na área comercial, cultural e de segurança. A situação política na Venezuela também deverá ser discutida por ambos.

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O encontro entre Lula e Petro acontece num momento em que a região assiste ao avanço de um fenômeno que vem sendo chamado de "bukelização" da política regional, tema que estará "no radar" das conversas entre os dois presidentes, segundo uma fonte diplomática brasileira que acompanhará o encontro.

O termo é uma referência ao presidente de El Salvador, Nayib Bukele, um político de direita eleito pela primeira vez em 2023 e reeleito em 2024 com um discurso de combate à violência.

A redução drástica e controversa nos índices de homicídios no país transformou Bukele em um político popular em diversos países da América Latina, entre eles a Colômbia, Equador e Argentina. Os dois últimos governados por presidentes de direita.

Especialistas ouvidos pela BBC apontaram que o avanço da "bukelização" na América Latina é uma preocupação da esquerda na região, na medida em que ela parece oferecer uma solução "rápida" para uma das maiores preocupações para as populações dos países da região: a insegurança.

Segundo eles, o encontro entre Lula e Petro pode ser visto como uma tentativa desses líderes de mostrar que há algum tipo de união das esquerdas como uma contrapartida ao crescimento da direita e da direita radical na região.

A "bukelização" da América Latina é como vem sendo chamado por analistas e cientistas políticos o processo de aumento da popularidade do presidente salvadorenho e de figuras que ecoam os seus discursos em países da região.

Na Colômbia, por exemplo, um levantamento feito pela empresa de pesquisas Datexco em maio de 2023 apontou que 55% dos entrevistados diziam querer um presidente como Bukele.

"A bukelização não acontece apenas na Colômbia", diz Yulieth Martinez, doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora visitante na Escola de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Comportamentais (GSBS) da Universidade de Konstanz, na Alemanha. "Isso é um fenômeno que está acontecendo em outros países da América Latina por conta das condições de segurança pública nesses países que são muito parecidas."

Bukele tem 42 anos de idade e sua eleição surpreendeu a classe política do país. Ele fez do combate à violência a sua principal bandeira política. O mote deu resultado no país que, em meados dos anos 2000, ostentava algumas das taxas de homicídios mais altas do mundo.

No poder, Bukele implementou uma série de medidas que fizeram as taxas de homicídio caírem drasticamente. Ele iniciou operações de combate às chamadas pandillas –termo em espanhol para quadrilhas– que controlavam diversas partes do território das grandes cidades do país.

As medidas passaram a surtir efeito. Em 2023, o país registrou 38,2 homicídios a cada 100 mil habitantes. Em 2022, esse número caiu para 7,8 a cada 100 mil habitantes, segundo dados do UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes).

Em 2023, segundo a Polícia Nacional do país, El Salvador reduziu ainda mais essa taxa, chegando a 2,4 homicídios por 100 mil habitantes. Na comparação com 2023, a redução foi de 93,7%. No Brasil, a taxa é de 19,4 homicídios por 100 mil habitantes, segundo dados do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública).

Entidades que atuam na defesa dos direitos humanos, no entanto, acusam o governo salvadorenho de usar métodos autoritários para combater o crime, como a suspensão de direitos constitucionais, detenções arbitrárias e desrespeito ao devido processo legal.

"Não pode ser um sucesso reduzir a violência das gangues substituindo-a pela violência estatal", disse em março deste ano a diretora para Américas da organização não-governamental Anistia Internacional, Ana Piquer. O governo de Bukele, por sua vez, defende-se afirmando que as medidas visam apenas combater o poder de quadrilhas criminosas.

Apesar disso, com a insegurança entre as principais preocupações de moradores das grandes cidades da América Latina, os resultados de Bukele nesta área alavancaram sua popularidade em países vizinhos.

No Equador, por exemplo, o presidente de direita Daniel Noboa anunciou que o país construiria "megaprisões" inspiradas no Cecot (Centro de Confinamento do Terrorismo), um complexo prisional de grandes proporções construído pelo governo Bukele, com uma capacidade estimada para abrigar até 40 mil presos.

No Brasil, o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) já visitou o Cecot e fez elogios públicos a Bukele. Em seu perfil no X, o parlamentar defendeu o Estado de exceção implementado por Bukele. "Fazendo o que tem que ser feito", disse.

O diplomata brasileiro com quem a BBC conversou aponta que a preocupação dos dois presidentes é de que o discurso classificado por ele como "populista" ganhe tração na região e "normalize" a ideia de que os fins justificariam os meios no combate à violência.

O temor é de que isso possa turbinar a popularidade de políticos de direita que adotam discursos parecidos em diversos países da região.

O entendimento no governo brasileiro é de que a "bukelização" não seria um processo inevitável, uma vez que Lula venceu Bolsonaro em 2022, político a quem Bukele é comparado. Mesmo assim, a preocupação é de que adversários políticos "surfem" na onda da popularidade de Bukele nas próximas eleições da região.

O professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Oliver Stuenkel avalia que o encontro de Lula e Petro tem uma função estratégica neste contexto.

"É uma tentativa de mostrar união diante da visibilidade e do destaque regional do Bukele, uma vez que ele inspira outros líderes da direita", diz Stuenkel. "No Equador, temos o [Daniel] Noboa. No Chile, há outros líderes que também se inspiram nele. E na Argentina, temos o [presidente Javier] Milei."

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