Até o Papa aprovou: bombonzeiras mantêm a tradição de doce afetivo em Belém

A riqueza e a diversidade de ingredientes locais tornam Belém (PA) um celeiro de criações gastronômicas. Essa tradição atravessou gerações, passando pelas mãos de mulheres como as bombonzeiras. Organizadas ou de forma autônoma, elas garantem a manutenção desse patrimônio que já chegou até as mãos do Papa Francisco.

A receita tem apenas três ingredientes: chocolate, doce de leite e doce de frutas regionais e leva consigo a história de vida de cada uma delas.

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Gente como Lia Carvalho, 53, moradora da ilha de Mosqueiro, distrito de Belém, que faz parte da Rede Recomsol (Rede de Cooperação Mãos Solidárias), projeto de economia solidária que incentiva mulheres, com apoio da Regional Norte II da Cáritas Brasileira.

Ela conta que deu os primeiros passos na arte há 10 anos em uma cooperativa de pescadoras. A venda dos doces ajuda a compor a renda da família.

"Aprendi a receita com a minha tia, que já tinha esse trabalho na associação. Um ano depois, com a chegada do projeto para ajudar as ribeirinhas, começamos a nos aprimorar com os cursos de qualificação", conta.

3 - Recomsol - Recomsol

Com a entrada na rede, Lia e mais cinco mulheres passaram a integrar o grupo Sabor Marajoara, onde se dividem entre a produção, embalagem e venda dos bombons, em feiras, eventos e também sob encomenda através das redes sociais. Toda a produção é artesanal e com matéria-prima cultivada por mulheres da ilha.

Eu tenho um terreno onde planto o cacau. A gente mesmo colhe, seca e pila para fazer o bombom de brigadeiro. As frutas vêm das ilhas. 💥️Lia Carvalho, bombonzeira.

Na cozinha dela, os bombons com recheio de doces de bacuri, cupuaçu, castanha-do-pará, araçá, café e leite ninho ganham forma com receita e modo de preparo original.

"Hoje há algumas versões por aí, mas para nós o verdadeiro bombom é aquele que tem uma camada de doce de leite, entre o chocolate e o doce da fruta, e é banhado no chocolate ao invés de ir para a forma", explica.

💥️A Rede Recomsol foi criada em 2015 e já atendeu pelo menos 215 famílias. Hoje, possui 17 grupos, sendo que dois são de produção de bombons regionais.

"Nosso objetivo é articular, organizar e fomentar os grupos de cooperação solidária, com formação, qualificação e assessoria técnica, troca de saberes, experiências e promoção da autonomia. Além disso, atuar no fortalecimento da geração de emprego e renda para essas mulheres", explica a coordenadora, Rosane Gomes.

Bombons também atendem público com restrição à lactose

1 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal

Antônia Rosileide Costa, 43, também faz parte dessa história. De forma autônoma, ela foi de vendedora a produtora há 4 anos. Começou ajudando a cunhada a vender o chocolate que produzia na região ribeirinha do Baixo Acará, até que resolveu testar receitas.

"Comecei criando um brownie, mas as pessoas pediam bombons e o chocolate que tínhamos era muito rústico e eu não conseguia dar o ponto. Por isso resolvi testar outro formato", lembra.

Para melhorar a produção, ela fez alguns cursos práticos e criou oito sabores: bacuri, cupuaçu, cupuaçu com tapioca, tapioca, castanha-do-pará, coco, amendoim e cumaru com nibs, o único branco e que leva leite.

"Tive que me aprimorar, pois as minhas barras são diferentes, são recheadas de fora a fora (sic), é um recheio agregado sem nenhuma divisão. Eles também são zero lactose, exceto a de nibs que leva leite", explica.

O chocolate é vendido em dois tamanhos, de 30g e 50g, tem redução de 50% do açúcar, sendo produzido com a versão 80% cacau para atender clientes com restrições de saúde ou dietas.

"Consegui fazer algo diferente e que eu sei que não vai prejudicar a saúde de quem vai consumir. Com isso, descobri que existe chocolate com sabor saudável e prazeroso, sem fazer mal", comemora.

2 - Vaticano - Vaticano

Chocolate fino levou bombons às mãos do Papa Francisco

Nos últimos cinco anos, a produção das bombonzeiras, seja através das redes de apoio ou mesmo autônomas, deu um salto em qualidade, a partir da qualificação e do uso do chocolate fino nas receitas.

"Quando elas começaram, ainda faziam os bombons com chocolate que compravam em barra no supermercado e, hoje, após vários cursos de qualificação, já podem oferecer um produto de qualidade e são reconhecidas por isso", diz a coordenadora da Recomsol, Rosane Gomes.

O chocolatier Fabio Sicilia foi um dos professores das duas bombonzeiras e explica os conhecimentos que ajudaram na melhoria da qualidade dos produtos.

"Elas aprenderam a análise sensorial do chocolate. A identificar a qualidade, saber a diferença entre o que tem gordura hidrogenada, o que é fracionado, a sua origem. Assim como o que é chocolate fino e como fazer a sua temperagem de forma artesanal".

Proprietário da marca Gaudens, que recentemente recebeu prêmio internacional da Academy of Chocolate de Londres, ele doou a primeira remessa de chocolate fino para as empreendedoras testarem seus conhecimentos e hoje é o seu principal fornecedor.

"Foi ótimo porque reduziu o tempo de preparo e de geladeira em 70%. Hoje faço mais unidades, de diferentes sabores, em menos tempo. É um chocolate mais fino, leve, que derrete na boca e os clientes adoram', diz Antônia Rosileide Costa.

Para Lia Carvalho, além da qualidade e do sabor, o rendimento do chocolate fino fez diferença na produção.

"Esse chocolate ajudou muito porque é fino, não é grosseiro como outros, ajuda muito na hora de banhar os bombons e colocar para secar. O rendimento é muito maior, além do cheiro e do aroma suave que caiu no gosto dos clientes".

💥️Isso atraiu compradores internacionais da Austrália, Alemanha, Japão e Itália. No último Sínodo para a Amazônia, em 2023, Papa Francisco foi presenteado pela Rede Recomsol com um kit que incluía bombons do grupo Sabor Marajoara.

"Nem imaginávamos que um dia pudéssemos aprender tantas coisas e nem que o nosso trabalho fosse chegar tão longe. É muito gratificante saber que a nossa tradição é conhecida pelo mundo" diz Lia Carvalho.

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