Não teremos democracia enquanto pessoas forem tratadas como incapazes

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…" - Constituição Federal do Brasil

"Todos iguais, mas uns são mais iguais do que outros." A frase do escritor George Orwell, em "A Revolução dos Bichos", faz uma crítica evidente às sociedades que promovem a defesa estética da igualdade enquanto, na verdade, colocam em prática a estratificação social entre uns e outros.

Quando comparado a outros países, o Brasil é um dos que possuem uma das legislações mais amplas em direitos das pessoas com deficiência. Todavia, é preciso transformar essas conquistas legais em atitude cotidiana de toda a sociedade para que saiam definitivamente da teoria e alcancem todas as pessoas, independentemente de estarem nos grandes ou pequenos centros e cidades.

Ao mesmo tempo que não podemos permitir retrocessos de direitos já conquistados, precisamos avançar. Nesse cenário, as políticas públicas de educação, cultura, assistência social, saúde, reabilitação, trabalho e emprego, dentre outras, precisam e devem alcançar todas as pessoas com deficiência, independentemente de faixa etária, credo religioso, grupo étnico e racial, orientação sexual, gênero ou outra especificidade.

Então, embora seja inquestionável que a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) tenha sido um dos principais avanços na esfera de direitos para pessoas com deficiência, a inclusão, acessibilidade e as demandas deste segmento não são estanques. Elas demandam não apenas de monitoramento, mas também aperfeiçoamento.

No que se refere à habilitação e reabilitação das pessoas cegas e com baixa visão, o papel desempenhado pelas organizações não governamentais foi e é fundamental, já que essas entidades possuem o DNA da inclusão e da acessibilidade, além de manter um vínculo sólido com as pessoas com deficiência, com seus familiares, com a sociedade do entorno e com os territórios nos quais atuam.

Portanto, a valorização da expertise das Organizações da Sociedade Civil (OSC's) de atendimento, assessoramento, defesa e garantia de direitos de pessoas cegas e com baixa visão, criando estímulo para o fortalecimento e a participação direta destas entidades em programas como CapacitaSUAS, AceSUAS e PET, no âmbito da assistência social e outras políticas como da educação e da saúde, é de fundamental importância.

No caso específico das pessoas cegas ou com dificuldade visual, ainda existem problemas para acessar atendimento especializado em habilitação e reabilitação; para receber materiais didáticos em formatos acessíveis ao mesmo tempo que outros alunos sem deficiência; barreiras para acessar equipamentos, sistemas online e serviços de saúde e da assistência social; calçadas, vias e travessias com baixas condições, ou nenhuma, de acessibilidade, dentre outros.

Por estes motivos, precisamos incentivar uma cultura que tenha à disposição um receptivo que vá além do discurso, do politicamente correto e que seja uma prática com leveza e constância. Para combater o preconceito, necessitamos de campanhas de informação, programas educativos, ações que envolvam crianças e adolescentes nas temáticas das pessoas com deficiência, palestras e atividades de conscientização.

Essas políticas não devem ser eventuais ou de governo, mas de Estado. No caso do acesso ao mercado de trabalho, as empresas precisam se atentar para projetos que valorizem as características e as potencialidades das pessoas com deficiência. Vemos que elas ainda estão muito preocupadas em simplesmente cumprir a obrigação legal da contratação de profissionais com alguma deficiência.

São inúmeras as organizações que ainda não possuem de fato a cultura da inclusão e acessibilidade. Algumas delas, ainda partem de uma leitura engessada e equivocada dos processos de seleção, das adaptações necessárias e de planos de carreira, sem considerar as especificidades e potencialidades de um candidato com deficiência.

É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar todos os direitos das pessoas com deficiência que constam na Constituição Federal, na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, na Lei Brasileira de inclusão e nas demais leis e normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.

O acesso a novas tecnologias, que facilitam a vida e aumentam a inclusão de cegos e pessoas com pouca visão são a bola da vez. Nesse sentido, demandamos o fim do teto para o financiamento, bem como ampliação do rol de produtos considerados tecnologias assistivas. Isso inclui tablets, smartphones, computadores e notebooks, tanto para fins de isenção de impostos locais e de importação quanto para a inclusão no catálogo de financiamento do crédito acessibilidade.

Sabemos que o preço para que esses avanços legais sejam garantidos é a eterna vigilância. Nada vem de graça para as minorias brasileiras, então nossas conquistas são fruto de muita luta, organização e mobilização das pessoas com deficiência. E, ao contrário do que muitos pensam, essa não é uma batalha apenas das pessoas com deficiência e suas famílias, é uma luta de todos e de todas.

Nosso país jamais será uma democracia de fato enquanto pessoas forem tratadas como menos capazes, ou menos cidadãs que outras. Respeitar as diferenças é essencial para que possamos viver a plenitude de nossas vidas, e, portanto, precisamos combater todas as formas de violência e discriminação.

💥️*Beto Pereira é consultor em inclusão, acessibilidade e diversidade humana da LARAMARA - Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual. É Presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB).

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