Teatro em Olaria faz 16 anos e quer espaço pra chamar de seu

Reunindo crianças e jovens movidos pelo teatro, o projeto ressignifica a experiência da atuação ao tomar como base o atravessamento das realidades. É a fome, a insegurança, a incerteza, vislumbrando novos futuros, onde se é possível brilhar no tablado que só a Cultura, essa com C maiúsculo, oferece.

O causador disso tudo? O artista Wal Schneider, ator e também poeta. "Eu sou uma teimosia rara no Brasil", me disse na conversa que tivemos, junto aos integrantes do Palco, que em breve chegará aos 20 anos de realização. E para o parabéns ficar mais bonito, espera uma sede própria para desenvolvimento e continuidade.

A coluna fez uma entrevista com o realizador do projeto.

💥️Edu Carvalho: O que o menino de infância pobre nascido em Tabuleiro do Norte vê ainda hoje presente em Olaria?

💥️Wal Schneider: Uma região seca de aparelhos culturais. Temos ao lado o projeto Cacique de Ramos, mas não é com a mesma argamassa que o projeto No Palco da Vida. Estamos esses anos todos na região somos a 1ª Escola de Artes, pois não são só aulas de teatro, mas uma escola com ensinamentos para a própria vida. Além dos moradores do Conjunto do Alemão, temos alunos da Maré, Baixada, Bonsucesso, Cordovil.

Me pergunto, se não tivesse o Palco da Vida em Olaria, onde às vozes desses alunos estariam? Se eu pensasse em apenas focar minha carreira de ator e não pensar além? Cada um tem seu caminho solo, é um direito, mas é bom quando possibilitamos outras pessoas a realizarem seus sonhos também.

💥️O lugar da falta foi o que possibilitou o lugar da criação?

Diria que a falta foi minha reação para fazer arte. A falta de comida, a falta de um pai e possibilidades, bem lá no início, mas não coloquei isso como empecilho para correr atrás dos meus sonhos. Quando criança não acreditava na diferença entre rico ou pobre, todo mundo estava na mesma, isso também fez eu querer correr atrás dos R$25 reais junto com minha amiga e minha mãe.

E minha história para cada aluno do projeto os inspiram a correr atrás assim como eu, mostrar que as coisas são possíveis.

Hoje com o avanço de tecnologia e comunicação tem um mundo vasto para conhecer as coisas, mas dou dica de cavar mais a fundo as informações. Uma curiosidade que no início da minha carreira disse que queria levar o teatro para as pessoas não tivessem acesso, e vendo hoje o Palco da Vida em pé, os espetáculos circulando em escolas, bibliotecas, teatros, eventos, vejo essa missão em evolução constante na minha vida.

💥️Como se manter disposto para a realização e desejo de estar na TV, só que atuando?

Estar fazendo o projeto caminhar é um gás que me move a fazer qualquer coisa. O sonho motiva a gente a tudo, a partir do momento que pego meu ônibus para dar uma aula e passar os conhecimentos para um aluno que vem da escola, um funcionário público que acredita que pode ser artista naquelas horas comigo, já é a motivação.

Atuar na TV é um extra do meu ofício, trabalho o meu ator diariamente na rua, com o porteiro do meu prédio, no trem conversando, quando falo do acervo de arte que tenho no projeto.

A TV é o campo que me ajuda a divulgar não só o meu trabalho de ator, mas dá visibilidade ao palco da vida. Porque quando me vêem querem saber dos meninos do projeto.

Uma coisa leva a outra. Desde quando comecei o Palco da Vida, cada papel que fiz em novelas, os meus salários foram investidos para a manutenção do palco da vida, meus cachês de ator servindo para pagar alugueis, contas, passagem da equipe e um lanche no fim da tarde. Além de cada um ajudando no que pudesse, entre alunos e amigos do palco. Tudo em prol de um sonho.

💥️Como essa motivação pessoal foi levada para o coletivo?

O teatro é coletivo. Ninguém faz nada sozinho nessa vida, eu sou apenas um provocador de sonhos dentro de cada um que compõe o projeto. O teatro é um corpo vivo que precisa de artesãs trabalhando em um único objetivo, se o palco voa todos voam juntos. Tenho a filosofia que é implantada no meu trabalho que; a gente só brilha se o outro brilhar ao seu lado.

O mundo lá fora já carrega isso do brilho individual. Provoco em cada um, desde em fazer o lanche coletivo, muitas das vezes emprestar trocados para o colega pegar uma condução para um evento ou de volta para casa. Outra coisa interessante que trabalho a dinâmica da humildade; um balde, vassoura e pano.

Limpar o espaço que vai fazer arte. Se colocar no lugar do outro, porque eles vão conhecer um faxineiro, camareiro, cabelereiro, cameraman, iluminador entre outros da profissão, e essa consciência o teatro também possibilita. Os atores se ajudando, fazendo maquiagem, ajudando colocar o cenário, mexer na sonoplastia, na câmera, arrumar o lanche, tudo em função do corpo (O espetáculo/o projeto). E nesse mesmo processo mostro nos livros de teatro, essa cultura está nos métodos, nos grandes atores do teatro e grandes artistas do Brasil e do mundo.

💥️Prestes a completar 20 anos, como analisa a trajetória alcançada pelo No Palco da Vida? Consegue citar quem passou por ali e chegou à TV? E mesmo para aqueles que não chegaram, qual é o sentimento?

Quando olho para trás e lembro que dava aulas sentado em cima de alguns tijolos para acontecer as oficinas, usar uma caixa de som enrolada com fita crepe, e trazendo macarrão com salsicha para o lanche no final de tarde, toda a conquista de hoje parecia algo distante dentro das possibilidades.

Tivemos muitos alunos na telinha e também nas telonas, como Dário Delcarro, o Wesley Corrêa, Will Dubrok, Vitor Abreu, Caio Costa entre outros.

Em todas as aulas, deixamos claro o trabalho por trás das câmeras e cortinas do teatro, que tudo tem um trabalho, o estudo e preparação antes para tudo que for fazer na vida. O teatro é uma maneira de comunicação para o mundo real. A mesma dedicação para construção de um personagem, vai servir para fazer um prato de comida, uma boa aula, uma boa faxina e uma boa obra.

💥️Para você e quem faz parte da ação, qual seria um bonito presente de aniversário?

Para todos que abraçam o sonho que é o projeto "No Palco da Vida" é ampliar o trabalho cada dia mais. Estamos com uma meta de conseguir o espaço próprio, que visualizo o projeto no casarão na mesma rua, a antiga região administrativa.

Para que tenhamos um polo cultural com todo o acervo do projeto, salas de aulas, off teatro, um espaço de produção cultural.

O sonho maior e presente de aniversário é que a Prefeitura do Rio conheça o trabalho de transformação e nos dê de presente uma sede.

Uma cessão de um espaço ocioso da Prefeitura, do Estado, do Federal, que possamos transforma numa fábrica no sentido poético, de transformar vidas com poesia, teatro e livros e com muitos meninos e meninas multiplicando a filosofia do Palco pelas suas comunidades e pelo o Brasil profundo...

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