A bebida que surgiu como protesto a Salazar

A canção estava proibida —o disco não. E assim veio o sinal. Ao tocar na rádio, "Grândola, Vila Morena" acendeu o pavio da Revolução dos Cravos, aos 25 minutos do dia 25 de abril, há 50 anos. Zeca Afonso, o autor e intérprete, havia passado tempos preso pela ditadura de Salazar, que já durava quatro décadas.

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Se no Brasil os militares chamavam de revolução um golpe covarde e violento, em Portugal dava-se o contrário: os militares faziam, sim, a revolução, mas para acabar com o arbítrio. Eram oficiais e soldados insatisfeitos com as corrosivas guerras coloniais e a degradação do país no esforço de manter o domínio ultramarino.

Se aqui há capitães de uma truculência inominável —ao menos um ex-presidente e um governador—, na "terra da fraternidade", como na letra de Afonso, os capitães saíram às ruas cantando "o povo é quem mais ordena". Guardadas as exceções, uns ostentavam as balas, o choque elétrico, o pau de arara, enquanto os patrícios tinham seus fuzis carregados de cravos. Os cabelos reco talvez fossem os mesmos, mas quanta diferença.

A canção, simples e comovente, também foi gravada por Amália Rodrigues, rainha do fado, gênero melancólico e passadista, que curiosamente tem pouco da paixão libertária. No Brasil, os joelhos de Nara acomodaram seu violão para acompanhar "Grândola, Vila Morena" numa versão linda. Na linha do combativo The Clash, a banda punk paulistana 365 também entrou nesse coro luso, à sombra da azinheira.

A tão cantada vila fica no distrito de Setúbal, região do Alentejo, próxima de Lisboa. A 240 km ao norte, está o distrito de Coimbra e a cidade de Cantanhede. Lá foi criado um caso raro de protesto em forma de bebida alcoólica. Cansado dos desmandos de António Salazar e da Pide, a polícia secreta, que prendia, torturava e matava os opositores do regime, o comerciante Nuno Sérgio tascou no rótulo de uma deliciosa bebida o nome: Licor de Merda.

O desabafo escatológico vingou. A receita é secreta, mas sabe-se que tem leite, baunilha e frutas. E algo mais. Nada de coliformes, garantem os produtores. Há que beber em estado de dissonância cognitiva. Quem passar dessa barreira será recompensado.

Nascida a apenas 22 km de Cantanhede, em Anadia, Maria da Conceição Tavares deve curtir. Além de saboroso, tem no batismo o humor sem meias palavras da genial economista. Ela, que veio ao Brasil para escapar das garras do Estado Novo português, fez 94 anos neste dia 24, um dia antes da comemoração da Revolução dos Cravos.

A flor símbolo do movimento de libertação lusitano, além de bonita, é símbolo de amor e respeito, tida como panaceia para os sofrimentos. Assim como muitas bebidas locais —e não apenas vinhos e Portos. Na terrinha ainda há a ginja, ou ginjinha, um licor que sabe a cereja ácida; o licor Beirão; o Moscatel de Setúbal; a aguardente de Medronho; a jeropiga, vinho misturado com aguardente de cana (mais forte que a nossa); Granito Montemorense, licor com sabor de anis; a poncha, feita com rum da Madeira, e por aí vai.

Cada cantinho no país do cantinho da Europa tem uma bebida para chamar de sua. O PIB pode não ajudar, mas "não se bebe PIB", parafraseando a aniversariante.

O brinde vai para ela e, porque a festa foi bonita, pá, para os insurgentes de abril. Com um cheirinho de alecrim.


💥️CAIPIRÃO

60 ml de Beirão

Meio limão

Corte o limão e macere-o dentro da coqueteleira. Acrescente o licor de Beirão e bastante gelo picado. Bata e despeje tudo num copo robusto, de tamanho médio

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