Ela transformou a dor de perder a filha em luta por inclusão

Quando se descobriu grávida há doze anos, Ana Cristina Faria não poderia prever a sequência de episódios que transformaria sua vida por inteiro. Após viver uma "gravidez maravilhosa", o susto no parto anunciou que era hora de repensar todos os planos feitos até então: a filha, Angelina, tinha Síndrome de Down.

Ao dar à luz Angelina, Kiki, como é conhecida por amigos e colegas, sabia muito pouco sobre a condição genética de mais de 300 mil brasileiros. Na ocasião, ela, que é educadora física, tocava o projeto "Gravidez Ativa", que atendia gestantes em busca de mobilidade — um grupo muitas vezes preterido por colegas de profissão.

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"Como gestante, eu vivi na pele essa sensação de exclusão que tantas mulheres sofrem. Há profissionais que, por falta de informação e preparo, limitam os movimentos da mulher grávida. Eu queria mostrar que parir não é parar, e acolhi aquelas que se sentiam excluídas", diz ela. Sua trajetória profissional, no entanto, passou por uma reviravolta brusca: Angelina tinha uma saúde delicada e acabou vitimada por uma bactéria com apenas quatro meses de idade.

Transformando a dor em mudança

Da dor de perder a filha, Kiki deu vida ao projeto "Amigos da Angel", que tem como intuito arrecadar livros para famílias de crianças Down. "As crianças são os 'amigos' da Angelina, já que ela não está aqui", diz a educadora, sobre o nome dado à iniciativa. Após reunir famílias em parques públicos, com leituras coletivas e trocas de livros ao ar livre, o projeto teve de ser interrompido no começo de 2023, quando veio a pandemia.

"Preciso ser responsável, já que, além da crise do vírus em si, estou com um público que é grupo de risco. E ler livros físicos com crianças implica em contato".

Apesar da pausa, Kiki espera retomar o projeto assim que uma nova leva de vacinação avançar pelo país. Nesse sentido, ela tem buscado parcerias tanto para doações como para armazenamento dos livros, além de voluntários para ações coletivas.

Kiki, há doze anos, com a filha Angelina: boas lembranças e resiliência - Arquivo pessoal/Ana Cristina Faria - Arquivo pessoal/Ana Cristina Faria

'Mover-se é bom pra saúde'

Integrando psicologia, fisiologia e antropologia, a psicomotricidade trabalha a intenção do movimento, auxiliando, por exemplo, pessoas com Síndrome de Down. Como as capacidades cognitivas de quem possui essa condição genética funcionam em outra frequência, as atividades psicomotoras desempenham uma importante função compensatória, ao estimular a interação entre o movimento muscular e o sistema nervoso.

Em outras palavras, trata-se de mostrar que mover-se é bom para a saúde, e brincar faz bem. "Pessoas com Síndrome de Down têm maior risco de desenvolvimento do Alzheimer, além de precisarem de mais exercícios intelectuais. Outros fatores associados à condição genética são o envelhecimento precoce e a necessidade de fortalecimento muscular e de ligamento", afirma Kiki.

"Trabalhar com pessoas com deficiência é uma forma de honrar a minha filha. Hoje, posso ser a professora que ela precisaria se estivesse aqui"

Nessa modalidade da saúde, explora-se o controle sobre o próprio corpo, buscando conectar emoção, aprendizado e movimento. "É sobre despertar o querer, o poder e o fazer", diz Kiki. Da trajetória com gestantes, ela conta que levou o respeito pelos indivíduos. "Eu via a mulher antes de ver a mulher gestante. Hoje vejo a pessoa antes da condição física ou psíquica. Existe alguém ali, apesar de tudo. E essa pessoa precisa ser respeitada em sua totalidade".

O legado de Angelina

Segundo ela, apesar da Lei Brasileira de Inclusão, promulgada em 2015, ter contribuído para ampliar a diversidade nas instituições, ainda faltam políticas públicas eficientes. "Você vê as Paraolimpíadas, mas entende que aquilo é performance. Onde fica a saúde, o brincar pelo brincar?", questiona.

Em paralelo ao Ampliar Movimento, além de tocar projetos com o Instituto MetaSocial e com a ONG Movimento Down, Kiki tem atuado como consultora para instituições que queiram incluir pessoas com deficiência, esforço que faz jus ao legado de Angelina. "Eu amo trabalhar com pessoas com deficiência. É uma forma de honrar a minha filha. Hoje, posso ser a professora que ela precisaria se estivesse aqui", conclui.

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